"Deixem-me dizer-lhes, há um pecado, que vim
a temer mais que todos os outros: Certeza. A certeza é a maior inimiga da
unidade. A certeza é a inimiga mortal da tolerância. Mesmo Cristo não estava
seguro no final. Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste? Ele clamou em sua
agonia na nona hora na cruz. Nossa fé é algo vivo, exatamente por caminhar de
mãos dadas com a dúvida. Se houvesse apenas certeza e não dúvida... Não haveria
mistério e, portanto, nenhuma necessidade de fé. Vamos rezar a Deus que nos garanta
um Papa que duvide. Um Papa que peque e peça perdão, e que prossiga em frente."
Essa passagem é registrada pelo Decano Lawrence (Ralph Fiennes) em sua homilia, três meses após a morte do Papa. O discurso inaugura as deliberações para o Conclave e as subsequentes votações que resultarão na escolha do novo Sumo Pontífice. A mensagem é uma clara alfinetada a um dos cardeais que postulava o cargo, que horas antes, em off, destilava ao próprio Lawrence uma intolerância velada aos avanços da Igreja em pautas progressistas e o desejo de que o papado voltasse a ser comandado por italianos natos.
Lawrence preside a eleição e não anseia o cargo em disputa, mas vota abertamente no Cardeal Bellini (Stanley Tucci), um amigo próximo, crítico do retrocesso e talvez um bom sucessor do finado Santo Padre. Num passado recente, Lawrence passou por uma crise de fé, não em Deus, mas na instituição e, agora, diante de vários homens que desejam mais do que tudo o poder papal, ele terá que andar na corda bamba, entre a isenção que o pleito exige e a (dura) realidade que se apresenta.
O que me impressionou de verdade no filme de Edward Berger foi o fato de que, no frigir dos ovos, trata-se de uma história de detetive. Sim, existem mistérios - ou seriam esqueletos nos armários? - em torno dos candidatos e eles devem ser elucidados - ou desentocados dos armários? - para garantir uma eleição limpa. Ou, vá lá, evitar que o homem errado vire Papa?
Isso
quem tem que responder é o espectador que, do outro lado da tela, se vê tenso e
perplexo no enredo mais improvável dos Oscarizáveis de 2025. E se quer saber,
por ora, minha torcida para a estatueta de melhor ator é toda do Decano Lawr--
Fiennes[1].
Afinal, o que ele precisa entregar aqui não é pouco: transmitir controle
emocional em meio a situações limítrofes onde um exausto Lawrence tem que domar
egos, pacificar ímpetos e contemporizar sua fé cristã.
Dada a inesperada humanização de um ritual que paralisa o mundo (real), não é de se espantar que o roteiro de Peter Straughan e Robert Harris esteja causando furor nas premiações mundo afora.
Habemus filmaço!
[1] Atualizado após o Oscar 2025: não foi dessa vez. O vitorioso da noite foi o agora bicampeão Adrien Brody, por sua atuação em O Brutalista. Porém, a dupla que citei acima levou a estatueta de Melhor Roteiro Adaptado; a única dentre as oito a que estava concorrendo.
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