Os bastidores dos quadrinhos, dos produtores, das editoras sempre me intrigaram. Eles tendem a ser um magnetar de criatividade e ressentimento.
Atribui-se a Jack Kirby a máxima de que “os quadrinhos vão partir o seu coração”. Joe Shuster morreu praticamente cego e sem um centavo no bolso, sendo ele cocriador do Superman, um dos copyrights mais valiosos do mundo. Há rumores que o recluso Steve Ditko só foi encontrado dias após falecer e, em vida, embora gentil com os fãs, tornava-se arredio quando lhe lembravam dos tempos na Marvel. Dizem que uma conversa com Barry Windsor-Smith pode demover qualquer um da ideia de criar sua própria história em quadrinhos. Ed Brubaker usa a mídia para espiar seus demônios e também já perambulou pela rua da amargura e decepção.
Nem o cotidiano dos leitores costuma ser afável, sobretudo no Brasil, quando a mídia passa a sofrer uma constante alta de preços e, claro, uma predileção editorial por formatos de luxo. Daí se instala uma guerra não declarada, uma luta de classes entre gibizeiros; dos leitores envoltos no dilema da televisão de cachorro contra os que só se preocupam com qual é o ponto ideal de sua picanha. Um lado está feliz e o outro, não. Se reparar bem, é a mesma coisa com a turma lá de cima, dos criadores.
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Do lado de cá, do meu lado mesmo, o Luwig, eu confesso que venho colocando em perspectiva algumas coisas acerca da produção de conteúdo gibizeiro. Como disse outro dia, comecei em 2016 no Arte-Final HQ, como membro fundador do 7 Jagunços, e, desde 2018, venho tocando o projeto dos Escapistas. O podcast cresceu e cresce a cada nova série publicada. Tanto no número de assinantes quanto nas métricas. No modelo posto, de ter um feed organizado com programas temáticos, serializados, percebo que muitos ouvintes têm preferido esperar a conclusão de certos projetos para dar play e, digamos, poderem maratonar os episódios conforme leem os recortes de histórias discutidas.
Outro dia, inclusive, descobri que nossos programas sobre o Miracleman estavam sendo disponibilizados para download direto, junto com os arquivos digitais dos gibis. O Dr. Malcolm falaria num tom hippie que “a vida sempre encontra um meio”, e isso vale tanto para a façanha jurássica de Hammond quanto para aqueles suecos sovinas. De todo modo, creio que fale também por todo o elenco: ficamos orgulhosos.
Então, estou sempre recebendo mensagens elogiosas pelo trabalho em Sandman Anotado, Justiceiro MAX, Wolverine Essencial e outros. Ouvintes vivem nos sugerindo novas pautas. E quase tudo é culpa do Reginaldo, Mauro, Maurício, Do Vale e quem já contribuiu conosco nesses últimos anos. Agorinha mesmo, concluímos Lobo Solitário, uma de nossas séries mais trabalhosas; iniciada oficialmente num longínquo 2017. Extraoficialmente? Dentro da minha cabeça, é capaz de ter começado antes de 2007.
Isso é um barato. Fico feliz com isso, né? Claro que fico, mas aí você me pergunta qual seria o ponto aqui? O que quero dizer com tudo isso?
Só que estou cansado. Não infeliz... Apenas cansado. Também não diria que é depressão. Talvez seja a pressão (besta) que coloco sobre mim mesmo. O hobby que dá a volta e passa a parecer com um trabalho laborioso que não rende financeiramente nada. Não sei. Às vezes, acho que estabeleci e cumpri as grandes metas do programa em termos de pautas; no nível pessoal, por exemplo, já gravamos sobre minhas três séries favoritas... da vida. É como se tivesse vencido as três últimas edições da Champions League.
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Curiosamente, ontem, ao saber da notícia e o motivo por trás da saída de Jürgen Klopp do Liverpool, alegando cansaço mental... Isso reverberou de um jeito inesperado e me deixou ainda mais pensativo sobre o esvaziamento que também ando sentindo. Por outro lado, reconheço que a edição dos programas é um dos principais responsáveis pela fadiga. Quem manja do ofício e dá tudo de si nessa “pós-produção”, sabe quão sacrificante pode ser sonorizar, elaborar vinhetas, eliminar ruídos, diminuir espaços, corrigir trapalhadas e até bancar uma de fonoaudiólogo remoto.
É um trabalho complexo e difícil de precificar. Pode ser barato para quem cobra e caríssimo para quem paga. Obviamente, tudo depende da obstinação do profissional e do nível de exigência do podcaster contratante. No meu estado de coisas, adoraria terceirizar a edição do programa, porém, no momento, não tenho condições de arcar com essa despesa. A solução poderia vir de uma campanha de crowdfunding da qual, por diversos fatores, não vejo chances de dar certo, especialmente porque sou péssimo em vender o meu/nosso peixe nas redes e, infelizmente, a verdade precisa ser dita: o público ouvinte disposto a apoiar, não pagaria apenas pela manutenção do podcast, mas, sim, de olho em recompensas “maiores” que o simples fato d’os Escapistas continuar existindo.
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Bom, do futuro nada sei, nem sei se é o fim do nosso podcast. Já do presente, esse eu posso falar. Fiz bons amigos nesse meio e eles, sim, são para sempre. Também sei que escrevi essas linhas com a certeza que o nosso humilde programa atingiu o coração & mente de ao menos algum “Michael Scott” por aí.
2 comentários:
Salve Luwig! Chovendo muito no molhado, parabenizo-o pelo excelente texto! A cada ideia materializada cresce aquele sentimento bom que temos em relação a referências, de que em um universo ficcional, estaríamos todos no Noonan’s papeando sobre vários assuntos. Ao terceiro parágrafo a lembrança do Klopp já me tomou os pensamentos. Em verdade, como Corintiano e apaixonado pelo Liverpool desde 2005, não é difícil pensar no alemão, sobretudo nas últimas 24 horas. Quando citou diretamente o anúncio de Jürgen, senti aquela sensação que os crossovers proporcionam, de alguma forma aqueles mundos que gostamos estão juntos. Escapistas, Liverpool, Luwig, Klopp. Daora!
Longe de mensurar vivências, energias, feitos, relevância, as razões de Klopp ecoaram muito dentro de mim também. Creio que o alemão ratifica seus valores com sua justificativa e amplia sua importância como figura humana. Implanta uma contestação. Me parece que, em maior ou menor escala, se todo trabalhador dedicado e/ou apenas vítima do capitalismo selvagem, se propuser a esse exercício de reflexão, obterá baque parecido. O mundo parece mesmo uma máquina de moer gente.
Mas meu ponto aqui, espero conseguir expressar corretamente, é dizer que, Klopp, Ted Lasso (o personagem) e Luwig são necessários, mas também merecem descansar. E o poder descansar, é mérito, dádiva decorrente do que fazem e são. E enquanto puderem e quiserem, sempre haverão os que não deixarão que caminhem sozinhos, seja pela caixa de comentários, seja no apoia.se ou na chave pix.
Respeito e Amor!
@Je2fersonO
Muito obrigado pelo carinho em suas palavras, Jeferson.
A menção ao Klopp no texto se deve, claro, ao meu amor pelo futebol e a admiração pelo treinador/humanista que ele é. Daí eu figurar numa mesma frase que ele, no sentido que você colocou, é um elogio que recebo com espanto e humildade.
Sobre o nosso podcast, em algum momento de 2024, ele voltará. Ainda não sei como, mas voltará. Certamente vamos ter que apertar no botão do crownfunding p/ podermos arcar c/a edição. Por ora, o que temos certo é que voltaremos a gravar no começo de março. Os brutos vão ficar intocados até decidirmos o que vamos fazer com eles.
Grande abraço.
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