quarta-feira, 11 de setembro de 2024

30 SEGUNDOS

Pelos últimos textos, dá para perceber que ando numa fase meio niilista, com um humor ranheta típico de quem aprecia o inverno de Northampton e agora é verão na cidade. Talvez por isso esteja me voltando tanto para o Noir e/ou historinhas mais urbanas, pessimistas até. Quer dizer, setembro mal chegou a metade e, fazendo um balanço parcial, tudo o que consumi, basicamente, foi nessa toada.

A começar por Fogo contra Fogo (Heat, 1995), de Michael Mann. Uma reprise que, até então, acredite ou não, jamais havia feito. Dá para dizer que, depois de tanto tempo, foi como ver o filme pela 1ª vez, já que lembro vividamente de alugar a fita VHS quando ainda era lançamento; talvez em 96? Enfim, acho que as quase três horas de projeção foram o que chamam de experiência religiosa. E não errei na colocação do substantivo: foi projeção mesmo![1]

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As linhas gerais do enredo ainda estavam intactas na memória: uma quadrilha altamente especializada, liderada pelo ladrão mestre Neil McCauley (Robert De Niro), é caçada pela unidade de crimes especiais de L.A, sob a supervisão do detetive-tenente Vincent Hanna (Al Pacino). Por outro lado, toda a argamassa entre esses dois, já havia se esfarelado na cachola e tornou a experiência em algo novo. Logo, as relações que os dois antagonistas constroem – e/ou destroem –, quase no nível de um seriado de TV, dada a pressa inexistente para desenvolvê-las, são coisas que ficaram comigo.

" Hanna era assombrado por sonhos, cadáveres em uma mesa comprida olhando para ele. Eles ficaram em silêncio. A aparência deles impunha obrigações, mas McCauley não reconhecia obrigações. Ele tivera sonhos nos quais não conseguia respirar, estava se afogando. Talvez estivesse ficando sem tempo, sugeriu Hanna. Eles eram iguais, porque sabiam que a vida era curta, nós somos pegadas em uma praia esperando a maré subir. E cada um navegava pelo futuro que vinha em sua direção com os olhos bem abertos. Sensíveis, opostos em algumas questões, eles eram iguais na compreensão de como o mundo funcionava, livres de ilusões e autoengano. Ao mesmo tempo, cada um explodiria o outro sem hesitação. Eles também sabiam disso. Mas aquilo poderia nunca acontecer. Eles poderiam nunca mais se ver. "

Da metade para o clímax acachapante, McCauley está decidido a buscar uma vida mundana, tratando o roubo final como seu último trabalho, mas joga tudo para o alto quando cai na provocação de Hanna e deixa-se levar pelo próprio ego. Já Hanna não poderia estar mais longe da normalidade, vendo o trabalho sepultar outro casamento (3º). Ambos são obsessivos natos, tão gigantes que sequer cabem juntos dentro da telona. E não cabem mesmo. Mann jamais enquadra o ladrão e o policial num mesmo plano. Jamais. Isso é incrível.[2]

O mantra do criminoso era sair em trinta segundos caso sentisse o fogo inimigo dobrar a esquina. Nate o lembrou disso. Hanna poderia cometer erros, poderia acertar ou errar. Neil não poderia se dar ao luxo de errar uma única vez.

Curiosamente, o mantra de McCauley é testado por Hanna, exatamente quando ele se vê com a (futura) ex-esposa no hospital, numa vigília pela enteada que acabara de salvar de uma tentativa de suicídio. O seu bip toca e ela, pelo hábito da vida a dois, sabe que é um chamado e Hanna, fatalmente, não aguentaria e iria atendê-lo. Eu não voltei para cronometrar a passagem, mas gosto de pensar que a cena não dura mais que trinta segundos. Assim, o mantra de McCauley vale não apenas para a iminência de ser preso, mas, sim, de não se apegar a nada que levasse trinta segundos para largar e fugir.

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No fim das contas, foi esse o erro de McCauley, de passar mais que trinta segundos para desapegar. E nem me refiro a Eady (Amy Brenneman), o interesse amoroso que, supostamente, o levaria à vida mundana na Nova Zelândia. A derrocada foi ignorar os instintos e ir, resoluto, para a armadilha que a polícia montou em torno de Waingro (Kevin Gage). Uma ponta solta que ficou atravessada num nível que impele McCauley a se desviar do final feliz, rumo ao avião da fuga, e ir ao hotel matar o ex-colaborador/serial killer/dedo-duro.

E aí... Bem, não sei se acontece com vocês, mas sempre que estou lendo algo, talvez por sincronicidade, algumas coisas passam a tangenciar outras. Ocorreu agorinha enquanto lia Parker: The Outfit, de Richard Stark, mais precisamente quando o protagonista deixa transparecer algo que, em tese, talvez batesse com a mecânica de um Neil McCauleuy mais jovem:

" Foi um sinal ruim quando um homem como Handy começou a possuir coisas e começou a pensar que poderia se dar ao luxo de ter amizades. Posses amarram um homem e amizades o cegam. Parker não possuía nada; os homens que ele conhecia eram apenas isso, os homens que ele conhecia. Eles não eram seus amigos e não possuíam nada... Quando um homem como Handy começou a ansiar por posses e amizades, isso significava que ele estava perdendo a dureza. Foi um mau sinal. "

Essa dureza de Parker parecia estar ali no comecinho de Fogo contra Fogo, de McCauley não carregar bagagem. De McCauley simplesmente ser como uma rocha – ou os metais que estudava para um golpe – ou uma montanha ou uma lei da natureza. Um bom exemplo da "materialização" desse vazio existencial está no(s) apartamento(s). McCauley tem nada menos que uma geladeira e a vista para o mar; Hanna, uma TV de 19" polegadas. São homens experientes que, embora corroídos pelo Nada, seguem em frente... inexoráveis. Por outro lado, olhando em perspectiva, é engraçado pensar em De Niro e Pacino como dois homens velhos, sendo que, à época, o primeiro tinha 52 anos e o segundo, 55; e ambos estavam inteiraços.[3]

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A propósito, os excertos em prosa sobre Fogo contra Fogo pertencem a sequência romanceada pelo mesmo Mann, e ladeado da escritora Meg Gardiner. A história do livro começa poucas horas depois dos acontecimentos do filme e, por incrível que pareça, faz quase dois anos que foi lançado no Brasil. Digo isso porque me enquadro no público-alvo e não lembro de ter visto qualquer divulgação. Como o diretor pretende filmar a continuação, é questão de tempo até que o romance comece a atrair a atenção de Booktubers & derivados. 

De todo modo, se vale de alguma coisa, estou lendo Heat 2, alternando com Parker... Logo, meu Noir interior tá saindo pelo ladrão.

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[1] Comprei um mini projetor e, desde então, tudo virou cinema em casa.

[2] A foto que ilustra e encabeça o post é puro bait. É de bastidores.

[3] Sendo franco, estão melhores que eu, com 42. Porra... Preciso cuidar melhor da carenagem.

quarta-feira, 4 de setembro de 2024

RÉQUIEM PARA OS MEUS SUPER-HERÓIS

Com a abstinência do Twitter, estou redescobrindo que antes de ser um tuiteiro aplicado, eu costumava usar esse blog como um espaço de descarrego. Não exatamente como cantilenas vazias, mas para comentar rapidinho o que estou assistindo, lendo e, claro, a inquietação do momento. Lógico que, com 280 caracteres, o papo lá era reto, retíssimo... Ainda assim, ao longo dos anos, deixei vários insights[1] que, hoje, por estarem inacessíveis, me arrependo bastante de não tê-los salvo num bloco de notas mínimo. Um erro que não cometerei mais. Ou irei de um jeito diferente e estranhamente parecido. De todo modo...

Apartar-se inteiramente da sua própria espécie é impossível. Para viver no deserto é preciso ser santo.[2]

✨✨✨

Nós nos achamos imortais. Compramos pilhas e pilhas de gibis, alguns dos quais, com dimensões e pesos que inviabilizam até mesmo suas leituras com alguma dignidade e ergonomia. O imediatismo ou a mera certeza da invencibilidade não dá chance para cogitar se, num futuro próximo/distante, sequer teremos condições de, por nossas próprias forças, retirar volumes assim da estante. Aliás, caso a (remota) possibilidade de virarmos ração de verme se concretize, só peço que Deus tenha piedade dos nossos entes queridos.

No meu caso, além do lugar onde moro, possuo caixas e mais caixas de quadrinhos acondicionadas na casa da minha mãe e sogra. Quer dizer, no dia que eu me for, tenho certeza que meu bom nome seguirá sendo profanado por um tempinho. Mas conjecturas mórbidas à parte – batam na madeira! –, no alto dos meus 42 anos, confesso que estou começando a olhar com outros olhos para a existência física de tudo aquilo que sempre gostei de ler ou ver e manter comigo aqui, à distância do braço.

Paradoxalmente, isso passa pela inversão da história do vazio de William King, de que os indivíduos colecionam objetos ante a necessidade de preencher vazios interiores, às vezes, por causa de experiências de vida negativas, outras vezes para sobreviver num mundo que considera hostil[3]. Por que falei em inversão? Porque sinto que meu próprio vazio já começou a transbordar e precisa ser esvaziado. Ou, caso contrário, não precisa mais ser preenchido, ao menos não no sentido físico.

Eu me peguei pensando nessas coisas enquanto lia Nêmesis, de Isaac Asimov. Não que o livro trate desse tipo intermitência da morte – ou será que trata?[4] –, mas enquanto o devorava ocorria o mais recente Prime Day e, com ele, vi promoções bem sedutoras em torno das coleções da Fundação, Série dos Robôs e Império. E aí, por reflexo, coloquei os (quatorze) livros no carrinho. Quando estava na iminência de pagar, parei e pensei comigo mesmo: “eu paguei e li todos via Kindle, por que preciso tê-los na estante?”.

Antes não os tivesse lido. Antes tivesse acabado de assistir a O Mundo Depois de Nós, e me apavorado com uma existência sem mídia física. Não é o caso, e não me assusto fácil. O período em que esses pensamentos começaram a tomar de assalto meu cotidiano coincide com a época em que estava concluindo a leitura de Starman. O arco de despedida de Jack Knight abriu um rombo no meu peito e preencheu todos os vazios super-heroicos que ainda teimavam em existir.

Senti como se eu fosse o Névoa e o próprio Ted Knight estivesse me levando embora. Contudo, em vez de explodir lá em cima, na estratosfera, sigo aqui embaixo. Isto é, no lugar mais baixo que já estive como gibizeiro, comprando as Sagas[5] que coleciono com uma má vontade daquelas; pechinchando os volumes de Lúcifer com o risco de vê-los esgotados; e – acredite se quiser – até um pouco enjoado da mídia como um todo.

Obviamente, deve ser algo passageiro, o que não muda o fato de que, agora, em 4 de setembro de 2024, eu sinta que fui embora junto com Jack. Sim, quando virei a última página de Starman nº 80, apagou uma luz e algo me dizia que, em matéria de super-heróis, nada mais precisava ser dito. A partida de Jack, resolvendo todas as pendências em Opal City, dirigindo-se para uma nova vida em São Francisco, é uma metáfora que grudou em mim.

Caracterizado como um outsider num mundo ficcional, Jack começa Starman como um super-herói relutante, aceitando o legado de família desde que o pai, Ted, use a expertise em energia cósmica para criar coisas úteis à sociedade. Com o tempo, ele aprende a curtir a experiência, faz vários amigos, alguns poucos inimigos e até realiza um mochilão pelas galáxias. Perdeu o irmão sem nunca conhecê-lo de verdade. Ganha um filho em circunstâncias bizarras. Conhece melhor o irmão num insólito além-vida. Conhece o amor de uma mulher. Perde o pai. Será pai novamente. Dá as boas-vindas a novos heróis locais. Decide se aposentar da vida de combate ao crime. Decide viver a vida com a família em outra cidade. Viver outra aventura.

Depois disso tudo, me respondam com toda sinceridade: O que resta para ler de super-heróis...?!

🌟🌟🌟

Enquanto aguardo vossas deliberações, seguirei lendo o meu 2º romance da série Parker, de Richard Stark. Outra hora, falo sobre isso. Por ora, uma dica de amigo: evite ler Starman! Esse gibi vai acabar com a sua vida.

🌠🌠🌠

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[1] Porra! Lembrei agora de uma thread que fiz sobre a leitura da Biblioteca Eisner... Que ódio!

[2] Epígrafe contida em Golpe de Misericórdia, de Dennis Lehane.

[3] Uma ilação, hoje em dia, muito popular, saída das páginas da obra Collections of Nothing (2008).

[4] “ [...] a vida é uma sinfonia de perdas sucessivas. Perdemos nossa mocidade, nossos pais, nossos amores, nossos amigos, nosso conforto, nossa saúde e finalmente nossa vida. Negar as perdas é perder tudo isso de qualquer maneira e perder, além disso, o autocontrole e a paz de espírito. 

[5] Quais sejam: Sagas do Batman, Superman, Mulher-Maravilha, Flash, Vingadores e X-Men.

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

LUGARES (AINDA MAIS) ESCUROS

" Essa é sempre a minha coisa; eu quero entreter as pessoas, mas é uma coisa de lobo em pele de cordeiro. A pele de cordeiro é a história do crime, eu acho. E o lobo é o verdadeiro significado da história, que eu muitas vezes nem sei quando estou escrevendo. [...] Eu nunca quero tentar fazer algo que pareça exatamente como o que fizemos antes. Até os livros Reckless parecem um pouco diferentes uns dos outros porque seus enredos são diferentes e acontecem em anos diferentes. A próxima coisa é sempre a mais difícil de escrever. É como um neo-noir de terror e suspense do Pânico Satânico. [...] É sobre uma mulher que fez parte [disso] nos anos 80 quando criança e que agora é adulta em nosso mundo moderno. Chama-se Houses of the Unholy. Sean disse que é a coisa mais estranha que já fizemos. Então, entenda isso como quiser. "[1]

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Acabei de ler a graphic novel que o Ed Brubaker descreve acima. Tá quentinha ainda e faz só alguns dias que foi publicada, em 19 de agosto. Essa fala data de fevereiro de 2024. De lá para cá, o escritor pouco tem aparecido na internet; sua newsletter, por exemplo, foi atualizada pela última vez em junho último. À época, ele havia registrado apenas alguns bastidores das filmagens de Criminal. Nada de mais, já que, de um tempo para cá, Brubaker se tornou bem avesso à presença online, especialmente em redes sociais; das quais não mantém mais nenhuma.

Não obstante, o que vinha sendo uma regra dos seus lançamentos da parceria com Sean Phillips eram as entrevistas a dois no canal do Forbidden Planet, além dos posfácios em todas as obras de Reckless (2020) em diante. Nesses espaços, era possível vê-lo numa posição desconfortável – acredito eu –, falando de onde vinham as inspirações de cada projeto, não raro, de memórias & angústias do passado. Em Casas do Profano não ocorreu nem uma coisa, nem outra.[2]

O que, de maneira nenhuma, não é ruim. Faz o quadrinho soar ainda mais enigmático, dada a temática tão pesada. Para começar, mesclar a histeria coletiva frente ao satanismo com algo como o plot de A Caça (2012), com Mads Mikkelsen. No filme de Thomas Vinterberg, um professor de jardim de infância em uma minúscula cidade dinamarquesa, por um mal-entendido que foge de controle, acaba sendo acusado de pedofilia por uma de suas alunas. Doravante, verdade ou mentira, sua vida estava acabada e a película mostra cada centímetro dessa descida ao inferno.

Na trama de Brubaker & Phillips, a denúncia é feita por seis crianças após uma colônia de férias, porém, com o elemento do abuso ritualístico. O caso vai a julgamento com um dos acusados chegando à capitular a própria vida, tamanha a pressão e a proporção que estava chegando. No fim, fica comprovado que tudo não passava de uma mentira e os “Seis Satânicos” sofrem os reveses disso, tendo suas vidas e a dos familiares destruídas.

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Off-Topic, mas nem tanto:

Ao caminharem por esses lugares escuros, infelizmente, Brubaker & Phillips têm um sem número de fontes. Muitas das quais, inclusive, virando exemplos célebres de investigações tendenciosas e erros judiciários crassos nos Estados Unidos. Um deles foi o Trio de West Memphis, que não passavam de adolescentes metaleiros implicados num múltiplo assassinato de crianças escoteiras. Sem qualquer chance de defesa, com a polícia fabricando indícios e provas, além de perjúrios descarados, eles foram julgados em 1994 e ficaram presos até 2011, quando exames de DNA levaram à conclusão que o material genético na cena do crime não era de nenhum dos três condenados. Circunstâncias tão cinematográficas que chegaram mesmo às vias de fato.

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De volta à HQ, mas mirando o presente, a trama se volta para Natalie Burns como uma investigadora à moda Jack Herriman. Assim como o protagonista de Cena do Crime, ela fora contratada para resgatar outra jovem impressionável cooptada por alguma seita nefasta. Seria (também) um dinheiro fácil, não fossem as circunstâncias voyeurísticas de um dono de motel – ou chalés – que pensa estar visualizando um sequestro pelas câmeras ocultas e faz uma chamada para a polícia.

Ao ser detida para interrogatório, Burns é liberada sob a custódia do Agente West do FBI. Porém, rapidamente descobrimos que ele não está interessado no suposto rapto, mas, sim, num caso que chamou sua atenção. Antes do 11 de setembro, West compunha a Unidade de Crimes Cultuais do Bureau, porém a divisão foi dissolvida quando os federais passaram a centrar esforços em terroristas e milícias de extrema-direita. Fora que não contribuía em nada incidentes como o dos Seis Satânicos, desacreditando qualquer trabalho sério.

Entretanto, West acredita que as outrora seis crianças da infância de Burns estão sendo alvos de um assassino que não segue um padrão verificável. Sendo que três já haviam sido mortos e Burns podia ser útil em sua caçada solitária ao serial killer, seja na interlocução com os demais, seja evitando mais vítimas. Logo, a busca vira um road movie com a dupla trocando traumas passados, com discussões acaloradas sobre os (nossos) demônios contemporâneos.

É curioso que, às vezes, o aprofundamento de um tropo vem depois que o leitor valida uma história anterior e o escritor sente-se confortável para esticar a corda. O que quero dizer é que Casas do Profano vem na esteira, por exemplo, de Matar ou Morrer e transforma críticas anteriores em soda cáustica. A exemplo do inconformismo velado de Brubaker com o nativo das redes sociais; manifestado na alienação do irmão mais novo de Burns.

Por outro lado, a nova história não vira um Taxi Driver com um anti-herói delirante, que faz o que faz se dizendo influenciado por um demônio. Não existe catarse nos demônios de Natalie Burns; eles estão numa memória não confiável - formatada até - e numa culpa quase paralisante. Eis um gibi difícil, tanto no recordatório quanto na estética dos Phillips; onde os vermelhos (de Jake) pontuam os trechos no passado, sempre te levando a lugares de ocaso e opressão. Já os tons azuis no presente transparecem tristeza e a maldição de ser racional em meio a um mundo irracional.

Se leu e ficou mal, parabéns! Você leu certinho.

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[1] Excertos extraídos de uma entrevista concedida por Ed Brubaker ao site Gizmodo, na época do lançamento de Onde Estava o Corpo.

[2] Talvez pela falta de tempo, já que o homem, como disse, está envolvido na produção de Criminal. Ahh, e se não ficou claro, o nome "Casas do Profano" é informal, já que a Editora Mino ainda não sinalizou como vai se chamar o título quando - ou se - for lançado no Brasil.