Não ganho muitos amigos falando bem do Tom King. Ao menos no meu entorno, sei que estou perdendo alguns e ele fazendo outros. Por sinal, amigos influentes. Bota influentes nisso.
Do lado de cá, minhas críticas ao trabalho dele nascem do seu run renascentista na revista mensal do Batman. Já falei rapidamente sobre isso e não mudo uma palavra do que escrevi ali em 2018; na realidade, acertei em antecipar que o modus operandi dele viraria a tônica naquele restinho década e foi além. Piora quando o escritor insinua ao editorial que mataria Alfred e - para a surpresa dele - teve sinal verde.
Isso, claro, foi de encontro com meu princípio básico e, de tão estapafúrdia, eu quis me convencer que essa atrocidade seria facilmente varrida para debaixo do tapete, mas ledo engano. Alfred segue enterrado a sete palmos de celulose e Chip Zdarsky, o atual roteirista, vem dobrando a aposta com ideias tão ruins quanto. Uma conversa para outro dia. Porque, hoje, contrariando novamente meus instintos mais primitivos, venho aqui falar de outro gibi bom do Tom King: Gotham City Ano Um.
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Slam Bradley foi um dos primeiros personagens criados por Jerry Siegel e Joe Shuster, os pais do Super-Homem. O detetive casca grossa estrelou a 1ª edição de Detective Comics em 1937; sendo que o Batman só viria a dar o ar da graça dois anos mais tarde, em 1939. Então, é uma sacada boa de Tom King e Phil Hester conectar os dois numa história do passado de Gotham. Na verdade, Bradley está no leito de morte contando para "Bruce" - sim, ele sabe quem está por debaixo do capuz - sua versão de como a cidade chegou a ser o lodaçal que conhecemos.
Segundo Bradley, isso teria ocorrido nos idos dos anos 1960, quando a bebê Helen Wayne fora sequestrada e o trágico desenlace do crime desencadeou mudanças estruturais e sociais em Gotham. Antes da "tia" de Bruce sumir do mapa, as taxas de criminalidade eram baixíssimas, e os avós estavam às vias de revolucionar a indústria química, construindo uma grande unidade no East End; até então um bairro negro ao sul, visto com desconfiança pela maioria branca no norte.
O caso do rapto, porém, caiu nas mãos do ex-policial - expulso da corporação por dar uma surra em colegas racistas - e o faz, muito a contragosto, se envolver em uma rede de mentiras na qual os pais da menininha, o casal Richard e Constance Wayne, estão no centro. A história me lembrou bastante da 1ª temporada de Perry Mason (HBO Max), onde víamos também o sequestro de um bebê notório e, claro, um investigador particular às voltas com a polícia (corrupta), a família influente e tensões raciais. Outra semelhança é o fato de que Bradley e Mason serem veteranos de guerra.
Nada, no entanto, que prejudique a leitura do gibi. Na verdade, desde Alvo Humano, confesso que venho me surpreendendo com a escrita do Tom King, que soa mais objetiva e menos dada à melodramas baratos. Aliás, tanto as histórias de Christopher Chance quanto de Slam Bradley me fazem pensar o quanto, à essa altura, uma carreira autoral faria bem ao roteirista. Não posso esquecer de mencionar os trabalhos primorosos de Phil Hester (arte) e Jordie Bellaire (cores); o casamento perfeito entre a narrativa pulp noir com cores sóbrias & cirúrgicas. Fino.
Lá fora, Gotham Ano Um saiu como uma minissérie em seis edições. Por aqui já chegou como encadernado, felizmente, em capa cartão. Não obstante, o preço cheio ainda é caríssimo: 54 Lula$. Como peguei por 38 na Black Friday, acho que não foi lá mau negócio.
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Alerta de Spoiler >>> Ponto Polêmico
Talvez por ser um gibi que ainda está quentinho ou, quem sabe, ter sido algo que passou despercebido pelo grosso dos leitores, mas o fato é que ainda não ouvi/vi qualquer sinal de rebosteio em torno do plot twist duplo carpado sobre a História que conhecemos da Família Wayne. Em outra vida, isso talvez fosse me incomodar um pouco. Na vida que tenho agora, confesso que achei um barato. Estou falando da insinuação de que Bradley é o pai biológico de Thomas Wayne e, portanto, avô de Bruce.
Quer dizer, do jeito que o Tom King trabalha Bradley, quando a lâmpada na cabeça acende, fica impossível não estabelecer um link entre tudo o que ele é nesse gibi e o que o seu neto será em incontáveis gibis. Faz você voltar alguns passos e olhar de um jeito diferente para o velho detetive, como se estivéssemos testemunhando o código fonte de Bruce... do Batman. Fica até mais poético quando cai a ficha que Slam Bradley - como dito lá em cima - foi o anfitrião original de Detective Comics.
O que coloca em xeque o título preguiçoso do gibi. No lugar do King, por motivos óbvios, eu teria tascado um simples e direto A Detective Comic, Um Quadrinho de Detetive.
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4 comentários:
Temporada de reabertura de espaços empoeirados a pleno vapor, nota-se! :-)
Vou começar a criar links afiliados com remédios p/ rinite alérgica.
Não sei se foi a premissa ou a maneira como você vendeu (provavelmente ambos), mas gostei, hein. Mais um pra jogar no carrinho na próxima leva. :)
No trecho sobre o trágico sequestro da bebê, me veio logo à cabeça o igualmente trágico sequestro do bebê Lindbergh Jr., filho do famoso aviador, 30 anos antes. Cabuloso.
Confesso que não havia me lembrado da referência do bebê Lindbergh. Tem tudo a ver. Embora o nome seja uma droga, o gibi é maravilhoso. Dá ainda mais raiva do Tom King, pq fica nítido que o sujeito é um contador de histórias versátil, especialmente em matéria de Batman, mas se imortalizou com as péssimas decisões que tomou na mensal.
E aí vc lembra que ele tem no bat-currículo aquela bela história com o Hortelino, Alvo Humano nº 9... e agora essa Gotham Ano Um, com um final que quase me fez chamá-lo de gên-- Não, Não... Não vou falar isso, nem sob tortura.
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