De algum modo, terei que seguir adiante sem a leitura de minhas páginas diárias de Perdido em Marte (The Martian, 2014). E que conste em ata: assumo, sob pena de ser atingido por uma saraivada de pedras marcianas, que torci contra o sucesso da campanha de Mark Watney. Ah, se torci...
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A narrativa imaginária de Andy Weir tem seu lugar num futuro aparentemente não muito distante no qual a terceira missão tripulada ao Planeta Vermelho, a Ares 3, já é vista pela mídia e a opinião pública de modo tão corriqueira quanto sem o glamour das Apollos que sucederam àquela primeira alunagem do Power Trio original. Tudo isso muda quando uma violenta tempestade intercepta a equipe de solo comandada por Melissa Lewis, e acaba abortando em Sol 6 (Dia 6) uma missão que originalmente estaria planejada para durar até Sol 31.
O problema, contudo, foi que um dos astronautas da Ares 3 foi tragado pela tormenta, trespassado por uma antena de rádio e, segundo o levantamento de seus dados biológicos pelo módulo de fuga (VAM), seu traje orbital (AEV) foi severamente comprometido. Sem ter o que fazer, seus companheiros, Lewis, Martinez, Johansen, Beck e Vogel, se lançam no espaço a caminho da acoplagem na espaçonave Hermes para regressar a Terra.
A conclusão deles não era outra senão: "Mark Watney estava morto".
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Mark Watney, até então o décimo sétimo astronauta a caminhar por Marte, era um engenheiro mecânico e botânico de formação, mas um "McGyver" de vocação. Aos meus e os seus olhos, o status quo supra o levará, inexoravelmente, ao destino que lhe foi negado ao sobreviver a aludida intempérie, contudo, estamos diante de um personagem espirituoso, que faz troça de sua própria situação e não se prostra frente aos problemas que se apresentam a cada Sol.
Vou mais além, o texto de Andy Weir é contagiante, e mesmo imerso na armadilha definitiva, esse episódio de "Homem Vs. Natureza Marciana" assume contornos, por que não, de autoajuda, transmitindo uma mensagem de superação bastante positiva ao seu leitor.
Por outro lado, é surpreendente a engenhosidade do escritor, que pinta um inusitado quadro de verossimilhança científica ao lastrear os elementos sci-fi do livro com conhecimentos reais de botânica, física, engenharia, programação e química. Quer dizer, na ótica Weiriana, não basta simplesmente descrever uma sequência em que Watney, por exemplo, está tentando estender o seu suprimento de água para poder viabilizar uma plantação de batatas. Não, isso seria razoavelmente fácil. Ao narrar a cena em questão, o autor vai ao encontro da ciência, em meio a reações fisico-químicas, cálculos, projeções, que passam a interagir como ingredientes perfeitos de suspense nos capítulos que se seguem.
Paralelo à jornada solitária daquele "Marciano", agravada momentaneamente pela incomunicabilidade[1] com a Terra e os amigos na Hermes, temos geeks da Nasa como Mindy Park e Rich Purnell que, geridos por Venkat Kapoor, Mitch Henderson e o burocrata Teddy Sanders, descobrem que Watney está vivo e passam a trabalhar em alternativas de como restabelecer a comunicação para que assim seja possível lhe transmitir instruções de como adaptar certos gadjets, alertá-lo sobre as condições climáticas de Marte e, sobretudo, traçar um plano de resgate surrealmente otimista que só poderia se concretizar daqui há quatro anos pela Missão Ares 4.
Se você não esteve em Marte nos últimos meses, o livro de Andy Weir está às vias de estrear sua versão fílmica - tá pertinho, 01 de outubro! - por Ridley Scott e Drew Goddard, tendo como Matt Damon a honra de viver o simpático Mark Watney. Pelas prévias até o momento apresentadas, tudo indica que o live-action será bastante fiel ao original, e conta com um elenco de reputação à altura dos coadjuvantes.
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Se o filme der errado, é só culpa deles, pois a prosa - se me permitem o trocadilho - é coisa de outro mundo.
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Duas coisas: (1) No começo do texto, lembra que disse que torci contra o sucesso da campanha de Watney? Pois bem, é impossível de fazê-lo quando, na realidade, carregas o desejo de que a leitura de seus diários de bordo nunca cheguem ao fim. Mas é isso que sempre ocorre nos melhores livros. (2) Piada Interna: "Foda-se os anos 1970 e sua maldita Disco Music!".
5 comentários:
Já saíram as primeiras críticas do filme e são bem positivas. Mesmo assim, acho que são duas experiências completamente diferentes e necessárias. O livro é único. E eu não quero perder o Jason Bourne no espaço de jeito nenhum!
Esse parece dos bons. Só os excertos já dão uma ideia de que a prosa é irresistível. Vou correr atrás, valeu pela dica.
Sobre a adaptação, também estou de olho desde que surgiu nas notícias. Esperando também pela roupagem hollywoodiana de praxe, claro, e não há nada de errado nisso. O Reginaldo tem razão, são experiências singulares. Vide "Contato", livro e filme. Ambos fantásticos, ambos sui generis.
E aproveitando a deixa da piada interna/Marte/anos 1970, fica aí a dica do filme "Capricórnio 1"... o Mark Watney provavelmente se sentiria mais feliz com seus problemas.
Anotado, Dogg.
E acredite, ainda não assisti ao filme do Watney. E acredite², uma infestação de ratos tomou conta do único multiplex daqui de Westeros.
Não resisti e acabei assistindo antes de ler. Rapaz... que filmaço.
E finalmente entendi a "piada interna"!
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