De nossa
última transmissão para cá, eu voltei com o rabo entre as pernas para o
Twitter, Trump[1]
venceu a agenda “woke”, trinta e poucos aloprados foram indiciados, provou-se
que Putin é um robô e, no lado de cá, preciso admitir que fui fraco e curti Absolute
Batman nº 1. Me sinto tão mal com isso que, toda vez que fecho os olhos,
vejo um Dennis O’Neil cabeludo me julgando.
Sim, parece que estava de férias do blog, sem redigir nada, mas foi justo o contrário. Recentemente, no lado d’os Escapistas, nós concluímos as gravações da nossa série dedicada ao Starman. No total, para vencermos as oitenta edições, especiais e minisséries, foram necessários oito episódios; separados por meses e até anos para concluirmos tudo. Enquanto dura essa fase de (re)leituras, pesquisa, anotações, redação de pautas e, finalmente, o plugue conjunto de microfones com o elenco, os brutos já produzidos ficam salvos e intocados. Com a minha paranoia, mantenho tudo em HDs externos, DVDs de dados e drives na nuvem.
Consequentemente, a solitária fase de edição e tratamento dos áudios só começa quando me dou por satisfeito nesses atos preparatórios. A “pós-produção” já foi mais light, e agora me demoro demais justo pelos dissabores oficiosos da vida cotidiana. O déjà vu não é por acaso, visto que sempre entro numa espiral doida de mau humor quando uma série, de fato, conclui, tendo publicado todos os episódios. Dessa vez, acrescentei um ingrediente à mistura que piorou minhas crises existenciais.
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Não sou o
maior fã de Chip Zdarsky. Em termos de Batman, eu acho que ele tem
entregado se não o pior, certamente um dos piores runs que já li do
personagem. Dos Novos 52 para cá, não tenho a menor dúvida. É o pior.
Posto isso,
nesse meio-tempo que sumi, encarei Domínio Público, uma obra totalmente autoral
desse roteirista/desenhista. É outro Zdarsky. Um que te dá a exata noção do mal-estar
que atravessa a atual geração de criadores em meio a editora majors. O
temor de, inadvertidamente, criar um “Soldado Invernal” e ter que lidar
com as mesmas frustrações que Ed Brubaker.
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Se estavas
em Marte em 2021, à época da estreia da minissérie de Sam & Bucky no
Disney+, Brubaker fez um desabafo na sua newsletter, a princípio rasgando
elogios as pessoas de Anthony Mackie e Sebastian Stan...
“ [...] mas,
ao mesmo tempo, na maior parte, tudo o que Steve Epting e eu recebemos por
criar o Soldado Invernal e seu enredo é um 'obrigado' aqui e ali, e ao longo
dos anos isso se tornou cada vez mais difícil de conviver. Vi até altos
escalões do lado editorial tentando levar o crédito pelo meu trabalho algumas
vezes, o que foi bem irritante (para deixar claro, NÃO estou falando de Tom
Breevort, que foi um ótimo editor e muito prestativo). Então, sim, sentimentos
mistos, e talvez seja sempre assim (mas espero que não). Trabalho por encomenda
é o que é, e sinceramente estou emocionado por ter cocriado algo que se tornou
uma parte tão grande da cultura pop - ou mesmo da subcultura pop com toda a
ficção slash Bucky-Steve - e aquela temporada no Cap, enquanto fazia quadrinhos
de super-heróis, foi um dos momentos mais felizes da minha carreira. Além
disso, tenho uma ótima vida como escritor e muito disso é por causa do Cap e o
Soldado Invernal trazendo tantos leitores para meus outros trabalhos. Mas
também não posso negar que às vezes me sinto um pouco enjoado quando minha
caixa de entrada enche de pessoas querendo comentários sobre o programa. "
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Voltando
para o presente, ou melhor, para Domínio Público, o enredo de Zdarsky vai ao
encontro exatamente desse medo contemporâneo de não ser dono do seu trabalho.
Na realidade, esse nem é o dilema do desenhista Syd Dallas. É o da esposa e dos
filhos, que descobrem que um super-herói criado na juventude do artista, ao
contrário do que acredita a multinacional que o explora economicamente,
pertence ao seu marido/pai.
Adoraria falar mais sobre, mas para os fins desse texto, o que ficou de verdade comigo foram três páginas. Elas mostram que Syd, mesmo sabendo a verdade, teme o alvoroço jurídico e o entrechoque com os publishers, dos quais sempre nutriu uma relação profissional amistosa. Contudo, o que ele não percebe é que o seu trabalho teve um alto custo na vida pessoal, e quem pagou a conta foram os entes queridos. Então, lutar pela aquela propriedade intelectual é um dever por aqueles que sempre estiveram no andar de cima, aguardando pacientemente [ou não] o término daquelas artes:
Taí... O Zdarsky me pegou nessa. Tanto que não tive como não trazer para minha própria realidade. Quer dizer, quantas vezes me peguei diminuindo o valor do meu trabalho, seja o oficial, que lida com os boletos, seja o que faço n’os Escapistas...?! E eis que, na esteira de Domínio Público, quando faço isso, percebi que não sou o único que está pagando essa conta, são as pessoas que contam comigo.
É sempre o
problema de precificar algo tão do nosso cotidiano, que sequer imaginamos que
do outro lado, quem está produzindo, encara aquilo como um trabalho e ficaria
muito feliz que sua tapinha nas costas lhe rendesse alguns trocados. Inclusive,
pensei nisso enquanto lia o e-mail do Érico Assis, tentando motivar os leitores
de sua newsletter a pagar por uma
assinatura. Acho justíssimo.
Por aqui, queria ver também se conseguia levantar um tutu para arcar com alguma despesa
d’os Escapistas, e a forma que arrumei foi utilizar minhas anotações e
materiais de pesquisa como encartes dos programas. Na estreia de Starman –
nesse momento com dois episódios publicados –, lancei esses encartes como
E-Books do Amazon Kindle. Cada um dos oito podcasts acompanhará um encarte do
que chamei de Noites Estreladas.
Foi isso que
me afastou do Pulse. A edição dos programas e a reescrita[2]
dessas anotações. Algo que vem me consumindo... e me frustrando mais do que o
habitual. Por que motivo, você me pergunta. Porque nossa audiência é razoável
para um podcast de quadrinhos, e pior que isso, um podcast completamente
especializado, que foca em séries longas e passa até meses sem que outra se
inicie.
Um episódio
nosso tem em torno de 600... 800 plays. Um número irrisório para um canal de
YouTube, mas para o nosso microcosmo, é até uma audiência razoável. Não raro,
Os Escapistas figura nas paradas nacionais do seguimento Hobbies; vale dizer, até
em paragens internacionais, ganhando algum destaque entre nossos irmãos lusitanos.
Logo, vejam
meu raciocínio: cada um dos Noites Estreladas custa apenas R$ 2,00. Vamos
combinar que é um valor simbólico, do qual faço questão de mencionar que
funcionaria como um apoio ao programa, já que não temos condições de manter uma
campanha de financiamento em Catarse ou congêneres. Para ser franco, foi o único
meio que consegui viabilizar para arrecadar algo, tendo em vista que a periodicidade
é bem esporádica, quase como se fizéssemos séries/antologias documentais sobre
temas específicos. Também não é algo que mudará minha vida financeira, tampouco
conto com isso, mas dá um trabalho daqueles.
Nos dois primeiros
programas, faço questão de pedir com todas as palavras o apoio do ouvinte que gosta
do nosso podcast.
No dia 27 de
novembro de 2024, esse é o número (provisório) de vendas dos dois Noites
Estreladas juntos:
Essa é a dimensão do meu fracasso de público.
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O fato é que
o negócio é praticamente de graça e ninguém deu bola. O ego dói um pouco... Ok.
Dói muito. Se está assim no começo, deve ir até o final sem [quase] ninguém interessado,
muito embora, em respeito a esse quinteto de boas almas, irei até o final,
publicando todos os oito encartes. Só não garanto que voltarei mais a produzir
podcasts. Na minha cabeça, Starman será a última série d’os Escapistas.
Meu momento “Syd
Dallas” foi quando me vi no dia do aniversário, editando o podcast e o
texto do encarte... E de algum modo, me senti incomodado porque ia sair sem
concluir os trabalhos, sendo que, naquele instante, minha família me aguardava para
comemorar esse natalício. Foi ali que a ficha começou a cair.
Não vale a pena. A conta não fecha. É hora de fechar. É hora da última escapada.
[2] Longe de mim me comparar ao grande Moacyr
Scliar, mas me lembrei desse trecho enquanto reescrevia meus garranchos:
“ [...] A ideia que as pessoas têm é que o escritor é um cara que escreve com
tremenda facilidade, que vai botando as palavras. Mas não é assim. O escritor
tem essa facilidade, mas, ao mesmo tempo, ele tem um nível de exigência que o
comum das pessoas não tem. Vejo pelos e-mails que escrevo. A pessoa escreve uma
frase, pode não estar bem escrita, mas tudo bem, porque serve para transmitir o
pensamento dela. O escritor não se contenta com isso. Ele quer transformar a
palavra num instrumento de criação estética, e isso exige um esforço. Daí a
necessidade de reelaborar. Garcia Marques, em O outono do patriarca, reescreveu
16 vezes o primeiro parágrafo. E eu mesmo, na Zero Hora o pessoal me conhece,
reescrevo muito. Mando a minha matéria, aí releio e penso: isso aqui eu podia
melhorar. Aí melhoro, mando de novo, e digo, vale essa, aí mando uma terceira
vez. E eles já estão acostumados. Jornalista, geralmente, não faz isso, escreve
e manda. Tem muitos editores que tiram as obras dos escritores: “chega de
mexer”, dizem. Na verdade, escrever é reescrever. "