No rastro de Zero Hora no final da década de noventa, muitas séries novas foram engatilhadas no Universo DC. Três em especial chegaram a sair no Brasil por um breve momento pela finada Magnum, sendo que duas sumiram do mapa de vez e uma teve sobrevida considerável em outras editoras. Estou falando de Espectro, de John Ostrander & Tom Mandrake; Starman, de James Robinson & Tony Harris; e Hitman, de Garth Ennis e John McCrea.
Com duas edições, Espectro foi um poltergeist editorial. Se publicam qualquer coisa hoje em dia, essa série, definitivamente, merece ser conhecida pelo público nacional. Já as quatro edições de Starman renderam um “encalhernado”, uma edição de luxo órfã pela Panini em 2008 e, a partir de 2022, sua reparação histórica com os seis volumes completos; com cinco publicados e um último a caminho. Já Hitman teve um histórico mais movimentado, com cinco edições via Magnum, sendo cancelada faltando duas partes para a conclusão do arco Dez Mil Balas.
Aí entra em cena a finada nº 2, a Tudo em Quadrinhos que, seis meses mais tarde, compilaria Hitman nº 6-7, fechando a saga inacabada. Isso em fevereiro de 1999. Corta para maio de 2002, surge a finada nº 3, a Brainstore, e ressuscita a mensal do Hitman, agora com duas edições por número. A revista recomeça de onde a TEQ parou, ou seja, em Hitman nº 8 e rende treze edições até dezembro de 2003; isso equivale a Hitman nº 34 (de 60). Quer dizer, aos trancos e barrancos, a série havia passado da metade e ficaria em um hiato tupiniquim até ser relançada/finalizada - no decorrer de um ano! - em quatro volumes luxo da Panini.
Aquele leitor duro na queda, que conseguiu comprar e manter na coleção os gibis das três finadas, e não dá a mínima para lombada e/ou padronização, “só” precisaria fazer um e$forço para comprar os dois últimos; que correspondem às edições 34-60. Conheço ao menos um que fez isso. Não fui eu.
Quem me dera. Afinal, nesse período, com vinte e poucos de idade, tudo que saía do Garth Ennis, tinha minha atenção. A memória como conheci esse escritor parece saída das próprias páginas que ele costuma escrever: foi numa visita esporádica a um amigo que trabalhava num sex shop. Daí, enquanto clientes iam comprar algemas, dildos e alugar o mais novo filme da Silvia Saint, eu era apresentado a gibis Vertigo e aprendia a jogar RPG. Então, a primeira vez que ouvi sobre Sandman e Hellblazer, foi nessas condições de temperatura e pressão. Também não eram gibis fáceis de comprar e bem menos ainda de encontrar.
Não eram tempos de colecionismo fútil e desarrazoado, porque se não cabia no orçamento, a opção não era parcelar, era não comprar. A única alternativa era recorrer a instituição do empréstimo, tão em desuso e desestimulada nos dias de hoje. Daí quando via Hitman nº 1 na banca, o que os meus neurotransmissores de gafanhoto analisavam era que, em outubro de 1997, com os mesmos R$ 2,50 por 36 páginas, eu poderia comprar Batman nº 12 com 4 histórias e/ou 84 páginas. Mas como sabia que um amigo que morava a dois quarteirões do meu estava comprando, eventualmente, eu iria dar um pulinho lá e fazer a coleta.
Daí, descontado o encalhernado acima, devo dizer que acompanhei toda a 1ª metade das desventuras de Tommy Monaghan e a turma do bar Noonan's via "mútuo". Isso só ilustra como tudo era mais difícil, mais inacessível e olhando para trás, parece que era até mais prazeroso de se ler. O gibi poderia ser uma bosta – o que não é o caso aqui –, mas essa leitura partilhada entre parças valia só pelo papo na hora da devolução. Sabe o final de Conta Comigo? Quando o personagem-escritor de Richard Dreyfuss conclui o livro com:
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"- Pois bem, eu digo que nunca mais lerei quadrinhos como aqueles que li dos meus amigos aos dezesseis."
Então, esse foi o meu estado de espírito ao reler àquelas edições de outrora e mais as inéditas nos volumões recentes. E ainda que tenha sido uma experiência maravilhosa, nada se compara às memórias em pisa-brite. De qualquer forma, à medida que avançava, fiz breves comentários no Twitter sobre coisinhas que me chamavam a atenção. Nessa segunda parte do texto, pretendo organizar esses pitchs e, provavelmente, colocar um pouco mais de carne para assar.
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QUEM SOU EU E COMO VIM A SER
Tommy é um assassino profissional. Antes de virar isso, ele serviu ao corpo de fuzileiros navais na Operação Tempestade do Deserto (1990/1991). Nasceu e se criou em Gotham City, mais precisamente no Caldeirão (The Cauldron), um distrito de vinte quarteirões que abriga um grande número de imigrantes e descendentes de irlandeses. Do jeito que Ennis retrata o lugar, o roteirista nos faz crer que a mítica Zona Leste é um Alphaville; muitas vezes tão inacessível para a polícia quanto para o próprio Batman. Há, porém, um senso de pertencimento dos vizinhos que, em certa medida, faz encarar o "Hitman" como um herói local.
Essa sensação de caos controlado do Caldeirão é tamanha que, por ser um gibi de continuidade, as histórias precisam estar alinhadas com o Universo DC, sobretudo com a linha editorial do morcego, o que vira motivo de chacota entre o elenco. De herói (clássico), porém, Tommy tem pouco e a esmagadora maioria das tramas parte do tropo que o nosso simpático matador mexeu com a(s) pessoa(s) errada(s) e, em algum momento, terá que arcar por isso.
O problema é que os boletos nem sempre são pagos pelo portador e recaem na conta dos amigos mais próximos, quais sejam: Sean Noonan, o veterano da Coreia, dono do bar "pé sujo" que carrega seu sobrenome; Pat Noonan, sobrinho de Sean, agenciador e melhor amigo de Tommy; Ringo Chen tem uma rivalidade não declarada com o protagonista, que acaba sendo resolvida à moda John Woo e, se quer mesmo saber, ele é o Chow Yun-Fat em celulose e eu posso provar; Hacken faz o tipo "Blain" da turma, mas com um intelecto menor que suas bolas; Natt do Boné é o parça dos tempos de fuzileiro, veio de Detroit a passeio e acaba se estabelecendo em Gotham.
Ia esquecendo de comentar e talvez o escritor queira mesmo que nos esqueçamos é que o Tommy possui habilidades especiais: telepatia (ler pensamentos) e visão de raios x. Ele os consegue, muito por acaso, ao tentar cumprir um contrato e topar com um alienígena vampírico que ao drenar seu sangue, transmite esses dons. Após se recuperar do ataque, surge um efeito colateral que vira um empecilho para sua vida amorosa: ele precisa usar óculos escuros o tempo todo para esconder que suas escleras - a parte branca dos olhos - ficaram escurecidas, como se suas órbitas fossem dois buracos vazios.
Essa
origem secreta ocorre em Etrigan Annual nº 2 (1993), escrito pelo próprio
Garth Ennis; e antes mesmo de Hitman (1996/2001) virar série regular,
ele ainda faria uma rápida aparição na saga Contágio em Batman
Chronicles nº 4 (1996). Além dessas duas, o 1º Volume traz consigo as 14 primeiras edições da mensal e a edição anual Hitman: Um Caixão Cheio de Dólares.
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Fúria no Arkham (Hitman nº 1-3) reapresenta Tommy num contexto maior, junto com o elenco de coadjuvantes do Noonan's e Wendy, um interesse amoroso passageiro, que termina quando ela descobre que a profissão do namorado não era a piada que julgava ser. O contrato da vez promete pagar uma bolada milionária se Tommy for ao Arkham matar o Coringa, sem falar os trampos extras que surgem aproveitando sua incursão no asilo. É um dinheiro tão fácil que ele sente como se estivesse apenas "puxando a descarga". Entretanto, tudo desanda quando se descobre que o serviço principal era apenas uma isca jogada por Mawzir, uma entidade - composta de nazis mortos! - enviada pelos demônios Arkannone para recrutar Tommy como seu assassino.
Obviamente, isso não dará muito certo e à equação a única participação direta do Batman no título e o ingresso da policial Deborah Tiegel. O encosto do Mawzir falha e quase é desfeito na bala, deixando uma pilha de ressentimentos para uma retribuição no Volume 2.
Dez Mil Balas (Hitman nº 4-7) traz consigo pontas soltas daquele anual do Etrigan, no qual Tommy dispara contra seu alvo e falha por conta do alien que lhe atacou. Bom, ele não chegou a falhar miseravelmente. O tiro atingiu a cabeça de um dos irmãos Dubelz, ou melhor, um dos gêmeos siameses, restando um vivo para clamar por vingança. Lembra da Ma Gnucci...?! Pois bem, o Ennis segue sem dar a mínima para a integridade física de seus mafiosos.
Em meio à caçada, Natt chega à Gotham e acaba se envolvendo na rixa do amigo. O arco tem um clímax triste, que repercutirá no decorrer de toda a série. Sendo mais preciso, mas vago o bastante para não estragar a surpresa de quem ainda não leu: alguém muito especial morre - o link contém spoiler.
Acredite ou não, Hitman nº 8 é um tie-in de Noite Final; saga na qual Hal "Parallax" Jordan se redime reacendendo um sol moribundo. Antes, porém, nossos amigos do Noonan's passaram alguns dias confinados no bar, contando histórias de quase morte para espantar o frio. A seguir, em Heróis Locais (Hitman nº 9-12), os talentos de Tommy chamam a atenção de Truman, o diretor de um programa secreto do Governo que controla a atividade super-humana. Ao declinar de outra proposta de emprego em prol da manutenção do seu livre-arbítrio, o empregador frustrado dá um jeito de engambelar Kyle Rayner e coloca o então último Lanterna Verde no encalço de Tommy.
Não tarda e Kyle cai em si, sendo, em seguida,
convidado para tomar uma cerva no Noonan's. Um momento que, por acaso, rende
a capa mais impagável da série. Por outro lado, vendo em retrospecto, esse arco
também traz elementos que seriam aloprados lapidados melhor em The Boys (2006/2012). Na verdade, vamos logo tirar esse elefante da sala: Hitman é o protótipo de The Boys. O Garth Ennis
de Hitman é mantido sob a rédea curta, sem cruzar a linha da escatologia, mas sempre dando um jeitinho de
satirizar o cotidiano do Universo DC. Resumo da ópera: dá para desligar o cérebro e se divertir
sem culpa, porém, na hora que religá-lo, não se surpreenda com a disposição desse escritor de deixar seus nervos à flor da pele, especialmente após o traslado por alguns lugares sombrios.
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Off-topic, mas nem tanto
É irônico olhar para a quarta capa do Volume 1 e perceber que Tommy mal consegue juntar um trocado para o pão. Lembra Cowboy Bebop, uma vez que os caçadores de recompensa vivem se deparando com contratos cancelados, prêmios inferiores aos danos causados ou quando eles próprios tomam um curso de ação contrário ao acordado. Um exemplo: Tommy e Natt ganham 30 mil dólares por um trabalho que acabou envolvendo uma chacina de golfinhos e focas zumbis (?!). Eles se sentem tão mal com o resultado que acabam doando toda a grana para o Greenpeace.
Então, como dizia, a página interna tem nada a ver
com o teor daquela quarta capa. Faz parecer que o protagonista é um feroz & furioso
da década de 1990, e isso não arranha nem a superfície. Na realidade, ele é um coração mole com uma ética própria que paulatinamente vai lhe rendendo uma reputação no Caldeirão; aquele senso de pertencimento que falei lá em cima. Só que isso não vem de uma hora para a outra, já que, no comecinho da revista, Tommy aceita o serviço do Coringa com a ideia de levantar um capital para sair de Gotham e se estabelecer em Nova York. O que nunca ocorre, claro, seja por incompetência, seja por destino; fato é que, em meio a vícios e vicissitudes, ele me remete ao Cassidy de Preacher. Uma versão light, diga-se.
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No início do Volume 2, Mawzir volta para dar o troco em Hitman. O nosso simpático assassino sabe que não tem a menor chance e invade a mente dele antes de fugir. A rápida leitura lhe entrega que o cramulhão havia contratado Selina Kyle para furtar um rifle de um museu. Eventualmente, Tommy e a Mulher-Gato se encontram e ela não gosta de descobrir a real natureza do contratante; o que acaba resultando numa aliança temporária. O próximo passo é conseguir uma reunião com Jason Blood. E eis que quando o hospedeiro de Etrigan entra em cena, descobrimos que a arma era um artefato histórico, capaz de matar bestas infernais.
Notem uma participação especial de John Constantine ali embaixo, a quarta figura. Por sinal, já que falei apertei na tecla Preacher, preciso dizer que a historinha me lembrou um pouco alguns trechos da minissérie do Santo dos Assassinos. No fim, a entidade demoníaca tem o que merece e Selina se despede de Tommy e Natt, mas não antes de prestigiar o cavalheirismo do protagonista:
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Nos extras, temos também uma arte de capa não utilizada, igualmente impagável. |
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Momento Corneta
O Volume 2 da Panini compila as edições nº 15-33. Antes, porém, Hitman nº 18 foi publicado dentro de Hitman nº 6 da Brainstore (2003). No finalzinho do gibi nacional, há uma errata de números passados. É algo bacana, além de uma mea culpa, uma prova inequívoca de demonstração de respeito ao leitor. Choca porque o volume anterior foi uma festa de erros - dizem que quase cem! - e a Panini não fez absolutamente nada para corrigir isso. Também impressiona negativamente as decisões tomadas na tradução. Uma que chega a ser estapafúrdia e acaba estragando o título de uma história por desconhecimento do contexto.
O nome do arco "Who Dares Wins" está relacionado ao brasão do regimento do SAS, que está no encalço de Tommy e Natt. Pela Panini, virou um insosso "Quem não arrisca...", como fragmento da expressão popular "Quem não arrisca, não petisca". Na versão da Brainstore, buscou-se o sentido do brasão inglês: "Quem ousa vence". Inclusive, o editor da época chega a explicar isso no início do quadrinho. Pensando agora, acho que nada teria sido mais justo que convidar o Eloyr Pacheco para concluir aquele trabalho iniciado na Brainstore. Em edições anteriores, ele também trazia à tona belas notas de rodapé. Um profissionalismo em falta nos dias de hoje.
E não para por aí. Os caras decidiram adaptar o codinome do "Sixpack" - que tem outros sentidos, mas denota aqui o tradicional pacote de seis cervejas - para o genérico "Bêbado". Sim, o personagem em paninês virou apenas um "Bêbado", com direito a alteração das letras no uniforme dele. A tradução é mesmo um horror, mas fico imaginando também que ela passa por mais duas instâncias: 1) a do adaptador e 2) a do editor. Quer dizer, é um trabalho em grupo e ninguém pega esse tipo de coisa?! Será que, além do tradutor, nem um dos dois lê o material em inglês?! É complicado.
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Um Romântico Incorrigível
O motivo pelo qual Tommy foi parar da escada fora do apartamento da Tiegel para o prédio vizinho é o puro suco de Garth Ennis, assim como a disposição do quadro ao estilo Sintonia de Amor. E aí trago isso à tona só para dizer que, embora o escritor seja conhecido por seus brucutus e, por vezes, uma veia humorística corrosiva, poucos escritores dessa mídia constroem casais tão interessantes quanto ele; vide os duos Tulip O'Hare & Jesse Custer ou Kit Ryan & John Constantine.
Até o lance entre Frank Castle e Kathryn O'Brien era legal. Aliás, essa passagem no arco A Longa e Fria Escuridão é uma das minhas favoritas em Justiceiro MAX. Um raro momento de intimidade e vulnerabilidade que nos faz questionar o que ele viu e sentiu em relação àquela mulher.
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Foi na saideira do Volume 2 que a condução de Hitman começou a me deixar pensativo. Como disse lá atrás, começa bem satírico e você vai nessa levada, imaginando que, se o roteirista não leva o Tommy a sério, por que diabo o leitor teria que levar? Afinal, aquilo só seria um trabalho despretensioso, talvez por alguns meses ou enquanto existisse um público interessado. Era um "não vou me apegar... é passageiro" de ambas as partes. E aí, em algum momento, Garth Ennis vira a chave e o quadrinho vira outra coisa.
Hellblazer, por exemplo, após Hábitos Perigosos, passamos a
nos conectar com o Constantine mais miseravelmente falho humano de
todos. A crítica aos rincões da América de Preacher dá lugar uma história sobre
perdão e até onde podemos ir por um amigo. O humor bizarro do Justiceiro da Era
Marvel Knights fica para trás na travessia para o selo MAX e transforma-se num
thriller sobre um fantasma da Guerra Fria no Pós-11 de setembro.
Então, no meio
do caminho, Hitman também vira outra coisa. Uma história sobre busca por propósito e um ajuste de contas com o passado militar e com próprias as origens
(irlandesas). Na nova guinada ou mudança de tom, curiosamente, sai o editor Dan
Raspler e entra (no nº 28) Peter Tomasi; o próprio Ennis admite que - o hoje
reverenciado escritor da Tropa dos Lanternas Verdes, Batman & Robin e
Superfilhos - era "O Cara". Além disso, o traço de John McCrea sofreu um
upgrade bem perceptível quando passou a ser arte-finalizado por Garry Leach (Miracleman).
E, como dizia, subitamente, os personagens passam a olhar para si mesmos e fazer reflexões sobre suas vidas. O que um assassino merece no final das contas? O inferno? Dá para levar uma vida decente com um ofício assim? Mesmo as figuras antagônicas desenvolvem matizes que ora se confundem, ora eclipsam os do protagonista; a exemplo do líder dos rebeldes que fazem oposição ao ditador africano que contrata Tommy para treinar o seu exército. O caldo entorna e o sabor só aumenta.
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O Volume 3 de Hitman tem início com a história Canção do Imigrante (nº 34). É noite, Tommy está fumando um cigarro na cobertura de um prédio qualquer em Gotham. Para surpresa dele e do leitor, o Super-Homem aterrissa no mesmo lugar apenas para descansar um pouco antes de voltar para Metrópolis. Rola um papo. O Super revela que veio da Batcaverna. Batman estava investigando um acidente que ocorreu com a primeira nave tripulada a caminho de Marte. Clark admite que não conseguiu salvar um astronauta e, dada a responsabilidade que todos depositam nele, ele se sente um pouco culpado.
Tommy tenta levantar o moral do Superman trazendo a tópica do imigrante, e que Clark seria o melhor deles porque estava ali despido de todas as baboseiras de sua antiga cultura. É quase como se o assassino também estivesse falando dele, porque é um descendente irlandês que renega suas origens. É uma excelente história. Surpreendentemente respeitosa, que fecha com o Sr. Monaghan pedindo um autógrafo em nome da galera do bar que frequenta. Algo que, vamos combinar, qualquer um faria se tivesse a chance. Inclusive, Ennis dedica a história a Archie Goodwin, que havia falecido um ano antes.
Cravo que não só é a melhor história de Hitman, mas, sim, uma das melhores já escritas por Garth Ennis, justamente por ser algo
que vai de encontro com a natureza iconoclasta dele em relação a super-heróis.
Afinal, ele é o criador do Capitão Pátria, a antítese do Super-Homem. Vê-lo
invertendo sua lógica é impressionante. É um bálsamo para te
preparar para os números seguintes, quando Tommy conhece Frances, uma irmã que até ali desconhecia; e, dado o que ocorre, teria sido melhor se não tivesse conhecido.
É
daquelas narrativas que fazem você se perguntar como Ennis enganou todo mundo e escreveu
um gibi Vertigo dentro do Universo DC convencional. É triste e pesadíssima. E se brincar, rende também um déjà vu.
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Momento Dormiram no Ponto
Sempre achei os gibis de Garth Ennis os mais difíceis de ler em inglês por conta de subtextos e expressões idiomáticas bem peculiares. Nesse caso aqui, o tal "cachorro velho" do título tem uma carga histórica que, na minha opinião, valeria uma nota de rodapé. Não sou historiador nem nada, mas na Segunda Guerra Mundial era comum oficiais se referirem a soldados como "cachorros" por causa de suas plaquetas de identificação lembrarem coleiras, além das rações e tendas de acampamento serem também "casinhas".
Daí, quando o personagem Sean Noonan diz que gostaria que sua lápide tivesse como epitáfio "cachorro velho", isso seria uma forma zombeteira de homenageá-lo como um velho soldado, um veterano. Sem uma nota, esse sentido se perde completamente, a menos que você seja muito curioso (👆).
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O Volume 4 reúne os últimos dez números da série regular (nº 51-60), fora alguns especiais. No que cabe à parcela da revista mensal, é como se o carrinho da montanha russa percorresse uma descida de 220 páginas. Você não consegue parar de ler até o desfecho apoteótico e poético. E sobre isso, parece clichê, me dou por satisfeito nessas linhas; justamente por achar que Hitman é uma obra muito pouco lida pelo leitor brasileiro. E aí, me sentiria mal em antecipar qualquer informação ao herói que chegou até aqui, sem conhecer a sensação dessa descida.
Vou dizer apenas que o (meu) mundo sempre fica cinzento após concluir uma boa história. Quando tenho que dar adeus a personagens que se tornaram meus amigos. Vou sentir muita falta da turma do Noonan's, assim como sinto daqueles amigos aos dezesseis.
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