segunda-feira, 29 de junho de 2015

DOIS DISPAROS: A CAÇADA & UMA PROPOSTA GROSSEIRA

Para começar a semana com o pé direito, faço questão que nossos leitores limpem suas papilas gustativas e apreciem essas duas suculentas entradas:

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Entre 2010 e 2012, a Panini surpreendeu os leitores ao anunciar o lançamento de Jonah Hex, Vol. 1: Marcado pela Violência, edição que compilava os seis primeiros números da elogiada série regular do pistoleiro desfigurado, de Jimmy Palmiotti e Justin Gray. Bom, mas acontece que os italianos não estavam realmente pensando fora da caixa, pelo contrário, a oportunidade fazia o ladrão. Circunstancial ou não, o fato é que após esse encadernado ainda chegariam às bancas mais outros cinco.

O último deles, JonahHex, Vol. 6: Balas Não Mentem (Panini/2012) compilou as edições #31-36, e, devo dizer: foi lamentável. Não, não me refiro à qualidade do material, pelo contrário, era sim excelente e a julgar pela boa aceitação da massa de fumetteiros, a coleção teria fôlego para chegar até o seu desfecho (#70). Bem ou mal, sorria, se a publicação teria que ser jogada aos lobos, que nos contentemos de termos chegado a esse “derradeiro” volume. Nele jazem, pelo menos, dois neoclássicos do personagem: A Caçada (nº 33) e Uma Proposta Grosseira (nº 36), publicadas originalmente em 2008.

Nesse primeiro conto, nos valeremos novamente da perícia de Darwyn Cooke na Nona Arte, dessa vez, reproduzindo esse belo roteiro de Palmiotti e Gray em A Caçada. A narrativa dá conta de um incidente em algum recôndito do Canadá cujas temperaturas glaciais colocam em xeque a sobrevivência de um pai e um filho. E, bem, Hex não é exatamente o Deus Ex Machina que você desejaria, mas é o que tem para hoje. Se brincar, a melhor história que já li do personagem.

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Na segunda entrada, o artista convidado seria ninguém menos que J. H. Williams III, o dono dos layouts mais excitantes da indústria norte-americana. Mais que quadrinhos, Williams faz o tipo de arte que deveria ganhar exposições em galerias no mundo a fora. Fico, inclusive, tentado a ter esse pensamento: e se, ao fim de Overture, Neil Gaiman lhe entregasse todos os roteiros originais de Sandman e fizesse a seguinte proposta: “tome, são seus, refaça tudo até o nº 75”.

Ah, sobre o enredo de Jonah Hex nº 35[1]... Logo após auxiliar o delegado de uma cidadezinha a afugentar um bando que havia se instalado numa concessão alheia, Hex é convidado a passar a noite na casa desse oficial da lei. Como o banco em que resgataria sua recompensa só abriria na manhã seguinte, uma refeição e uma cama não eram lá uma má ideia. O problema foi a outra proposta.

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Off-topic, mas nem tanto:

 

Certa feita, um jovem nobre escocês chamado Jay Cavendish se apaixonou por Rose Ross, uma plebeia alguns anos mais velha que ele. Inconformado com essa paixonite adolescente, seu pai decide intervir e, acidentalmente, é morto. As coisas, porém, saem do controle e os Ross são acusados de tê-lo assassinado, forçando-os a fugir e tentar a sorte na América do mítico Velho Oeste.

Desconhecendo que a cabeça de sua amada está à prêmio, Jay decide ir ao seu encontro, atraindo a atenção de Silas Selleck, um caçador de recompensas que está disposto a servir como um guia. Longa de estreia do diretor John Maclean, Slow West é um Western fora do convencional, com toques de humor ácido[2] e epifanias estilísticas típicas do cinema indie. Michael Fassbender (o Silas) sobra em cena e se porventura fosse lhe dado uma cicatriz horrenda no lado direito da face, confie em mim, ele faria “bonito” na pele do Senhor Hex.

Bom apetite. 🍕



[1] Fui o único que teve essa impressão ou Williams homenageou mesmo o Tenente Blueberry?

[2] Com apenas uma hora e vinte minutos de vídeo, o filme pode ser encarado como um desdobramento mais sóbrio disso aqui. Só para constar, mil vezes mais sóbrio!

segunda-feira, 15 de junho de 2015

DOIS DISPAROS: O SOBREVIVENTE & DURO FEITO CETIM

Para começar a semana com o pé direito, faço questão que nossos leitores limpem suas papilas gustativas e apreciem essas duas suculentas entradas: 

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No preparo da primeira iguaria, tive que usar a retroescavedeira para desencavar O Sobrevivente[1], um conto de sete páginas de Spirit por Will Eisner. Publicado originalmente em julho de 1950, como parte integrante dos usuais suplementos dominicais dedicados a quadrinhos que circulavam em jornais norte-americanos; no Brasil, se não estou enganado, a historieta em questão contou com duas reproduções: uma em Spirit nº 1 (L&PM /1985) e dez anos mais tarde em Spirit nº 5 (Devir/1995).

A narrativa curta remontava o insólito caso em que um avião especial da polícia que transportava criminosos da Costa Oeste para Central City sofre uma pane e cai em algum ponto da região desértica do estado de Utah. Sobrevivem ao acidente dois indivíduos: o Spirit, que ajudava na escolta, e o prisioneiro Tate, “O Farrapo”. Sem perspectiva à vista de resgate, ambos terão que “sobreviver” ao clima/terreno hostil e, pior do que isso, a si próprios.

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O segundo acompanhamento é Spirit nº 2 (Panini/2008), de Darwyn Cooke, que homenageia o supracitado one-shot de Eisner. Em Duro Feito Cetim, somos apresentados a reinvenção[2] de Cooke para a personagem Silk Satin, uma agente da CIA desacreditada entre seus pares por ter sido negligente no traslado de um suposto terrorista que fugiu de sua custódia.

Para se redimir, decide ir sozinha a fronteira com o México, o último paradeiro do fugitivo, mas acaba cruzando com o Denny Colt, que oferece sua ajuda. Emboscados pelo Octógono, os dois sobrevivem ao ardil, mas terão que, bem ou mal, achar seu caminho de volta juntos.

Bom apetite. 🍤



[1] Na versão da L&PM, tal como original, se chamava “O Sobrevivente”; contudo, na republicação norte-americana foi rebatizada para “O Deserto”, que foi a opção da Devir.

[2] Publicado no Brasil em uma subestimada minissérie de cinco edições, alvo de vários olhares tortos pelos fãs xiitas – que, claro, não me incluo entre eles.

quinta-feira, 11 de junho de 2015

O HOMEM SEM DDEPRESSÃO

Nada poderia me preparar para isso... 

Mark Waid tem sido tão ousado quanto o pobre diabo em questão, transformando em uma leitura despretensiosa, leve e revigorante um título cujo protagonista, desde sua segunda gênese, sempre teve como mola propulsora suas próprias tragédias pessoais. Mas calma lá! Sei que isso soa como se Matt Murdock estivesse sendo descaracterizado pelo bem da galhofa, contudo, é exatamente o contrário. O que Waid está fazendo é um espécime de agregado de discursos, mezzo Lee, Everett, Kirby, Wally Wood, John Romita, Sr., e Gene Colan; mezzo Miller, Nocenti, Chichester, Smith, Mack, Bendis, Brubaker.

Parece estranho, só que, cerca de sessenta edições, três Eisner e um Harvey Awards depois, o caso é que esse pot-pourri de estilos tem funcionado a contento, trazendo à tona uma narrativa que, embora seja clássica, é também ágil e moderna por inovar no trato com os quatro super-sentidos, retirar o Demolidor da Cozinha do Inferno – sua zona de conforto particular – e lançar mão de certos paradigmas muito caros aos super-heróis.

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Vamos por partes:

Nunca – sim, eu disse nunca! – o sistema de ecolocalização de Matt fora investigado e esmiuçado com tanta contundência e imaginação quanto na gestão Waid. De um modo que instila o leitor a fechar os próprios olhos e imaginar-se na pele do personagem, identificando os contrastes do ambiente entre odores, percepções e sons, inovando não apenas enquanto norte estético para as composições gráficas de Marcos Martin, Paolo Rivera e Chris Samnee, como também na concepção de sua inusitada visão de mundo.

O bromance Murdock/Nelson deixa de lado a irritante birra de Foggy com a vida dupla do amigo, perpetrada por praticamente todos os autores contemporâneos que já tiveram a chance de ficar a frente da revista mensal[1], para alinhá-los finalmente como iguais, amigos que partilham de afinidades superiores a mera compulsão de julgamentos recíprocos. Isso, a propósito, fica evidente desde os primórdios da série, mas ganha outros contornos quando Foggy é diagnosticado com Câncer e sua luta para vencê-lo passa a ser o catalisador de cruzadas pessoais e redescobertas alheias. A sequência reproduzida logo acima é um desses grandes e singelos momentos.

Se por um lado, desde a Queda de Murdock o sigilo da identidade secreta do Demolidor já havia se tornado algo sensível e sujeito aos humores de Wilson Fisk; do outro, em O Segundo Homem, por Brian Bendis, estabelece-se que Fisk não havia guardado essa informação apenas para si, na realidade, ele a havia compartimentado junto à bandidagem de seu círculo interno. Esse conhecimento, aliás, vira troça entre eles e acaba chegando aos ouvidos errados de Sammy Silke, que o difunde. O resto é história e a parte que coube a Waid foi deixar de lado a negativa plausível de Matt, vestindo em definitivo a camisa do Demolidor.

Ao fazê-lo, contudo, acabou sepultando sua carreira jurídica e, por tabela, a de Foggy. Bom, pelo menos no estado de Nova Iorque, o que não o impossibilitaria de atuar em outra circunscrição que já tivera litigado junto à Ordem local. Esse local chama-se San Francisco, Califórnia, e estabelece tanto um recomeço simbólico para o personagem – inclusive, engatilhando sua quarta série nos Estados Unidos –, quanto dinâmicas inéditas na carreira do vigilante. Isto é, Matt e seu alter ego são tão bem recepcionados que alçam ao status de celebridades e, quem diria, “eles” passam a apreciar esse novo estilo de vida. Algo que, por sinal, acaba me remetendo a um “e se” involuntário sobre o rumo que Peter Parker poderia ter tomado sem aquele passe de mágica.

Por outro aspecto, nem tudo é alegria. Matt, Foggy e Kirsten estão duros, e todo o patrimônio da Nelson & Murdock se esvaiu quando o “gato” do Demolidor saiu definitivamente do "saco". A alternativa se apresenta quando o Homem Sem Medo recebe uma proposta milionária para redigir sua própria autobiografia, o que prontamente é aceita – cabendo a Foggy o cargo de biógrafo – e deve ser o bastante para os tirarem da bancarrota e manter o tratamento caríssimo do amigo canceroso.

No Brasil acaba de chegar às bancas o 7º Volume da série de compilados da Era Waid que a Panini vem publicando desde 2013 e que, oportunamente, dá o pontapé inicial a esse admirável mundo novo californiano (#0-4). Mesmo para quem não comprou nenhum dos seis exemplares anteriores, recomendo a aquisição desse sétimo, pois, além de ser um ótimo ponto de partida, é também um marco na trajetória do personagem que, se Mefisto permitir, deve ecoar por muitos anos.

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Link Afiliado


[1] O Demolidor nunca foi um personagem cujas atenções mediante sucessos de público e crítica se revertessem em superexposições do personagem. Quer dizer, mesmo com o reconhecimento advindo de diversas premiações na indústria e um seriado celebrado por fãs e neófitos, o super-herói em questão sempre manteve – e mantém ainda – apenas um título mensal, passando ao largo de todo e qualquer reboot, relanch, revamp ou proposta indecorosa. Matt Murdock deveria fundar uma religião.

segunda-feira, 8 de junho de 2015

DOIS DISPAROS: DEMISSÃO SUMÁRIA & A ENCOMENDA

Para começar a semana com o pé direito, faço questão que nossos leitores limpem suas papilas gustativas e apreciem essas duas suculentas entradas:

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Tom Cochrane está frito! Ele era o encarregado de uma operação criminosa no Bronx que há poucos instantes foi desbaratada por um “cidadão preocupado”. Segundo a polícia, estima-se que as armas apreendidas estejam avaliadas em alguns milhares de dólares. Cochrane trabalha há mais de vinte anos para o Senhor Fisk, um empresário nova-iorquino de reputação ilibada cujas recompensas aos êxitos dos funcionários são historicamente generosas.

Por outro lado, por exigir desses empregados um alto padrão de qualidade em seus serviços, Fisk não permite falhas e nem é conhecido por conceder segundas chances. Como dizíamos, Tom Cochrane está frito, frito porque o crime em questão pode conectá-lo ao Senhor Fisk e Fisk, reiteramos, embora seja um cidadão exemplar e reprove os atos do referido subordinado, não tem o hábito de pagar a usual multa de 40% sobre os depósitos do FGTS. Tão pouco tem processos se amontoando em varas trabalhistas.

Demissão Sumária, de Greg Rucka e Eduardo Risso[1], foi um conto publicado em Homem-Aranha nº 10 (Panini/2002) e, originalmente, em Spider-Man's Tangled Web[2] nº 4. Uma história de um tempo em que, aos olhos dos leitores – e, cá entre nós, admiravelmente transposto no Demolidor Netflixiano –, o Rei do Crime era 90% reputação, 10% fisicalidade.

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A segunda entrada fica a cargo de Wolverine nº 30 (Panini/2007) e leva consigo não uma, mas duas excelentes histórias com o carcaju do título, ambas assinadas por Stuart Moore e C. P. Smith.

Em A Encomenda, a pedido de T’Challa, Logan é incumbido de extrair a todo custo um bebê de Zwartheid, África. O mesmo se justifica, pois, enquanto chefe do estado wakandano, o Pantera Negra está politicamente impedido de interferir na soberania das nações vizinhas. E, segundo o narrador-personagem, o Wolverine, o país em questão era classificado pela ONU como um dos piores lugares do globo em termos de qualidade de vida – com expectativa de vida de 37 anos – e um matadouro para as nações ocidentais, ante suas riquezas minerais.

Há dez anos, entretanto, o Presidente Mayamba conseguiu pacificar as tribos em conflito e estabilizar a região. Um golpe de Estado o derrubou e estabeleceu na década seguinte um período de puro pesadelo. Guerras civis, milhares de crianças alistadas como soldados. Meninas e mulheres estupradas, infectadas com HIV de propósito. Seis meses atrás Mayamba ressurgiu e uma vez mais reiniciou o processo de paz, mantendo inclusive um diálogo aberto com os senhores da guerra e traficantes de diamante. A nova queda veio com um general chamado Lago.

Assim, a esperança de paz do ex-presidente vai morrer a menos que um dia, a filha dele continue de onde o homem parou. A menos que Wolverine, como seu guardião, atravesse um ambiente descrito como hostil e paradoxal repleto de selva, matas fechadas e campos abertos; onde o caos é tamanho que o zunido de uma bala o confunde por mosquitos.

Por fim, em A Cura, conto também assinado pelos autores supracitados, se atém as dolorosas etapas que o fator de cura tem de percorrer até que alcance sua regeneração total. Onze páginas geniais que questionariam, inclusive, a teoria de Grampá sobre o suposto vício de Logan em dor.

Bom apetite. 🍖



[1] Rucka é de casa, não tenho nem mais superlativos para descrever o quão fã sou de sua produção; e Risso? Bom, o que dizer de meu argentino favorito? Demissão Sumária tem toda pinta e pompa de um interlúdio de 100 Balas, só que não.

[2] Tangled Web rendeu vinte e duas edições e tinha como proposta a veiculação de enredos fechados do universo aracnídeo por autores consagrados como, por exemplo, Brian Azzarello, Bruce Jones, Darwyn Cooke, Garth Ennis, Paul Pope, Peter Milligan, etc. Logo mais, certamente traremos outros para que possam degustá-los.