Bloggers in Arms

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

LUGARES (AINDA MAIS) ESCUROS

" Essa é sempre a minha coisa; eu quero entreter as pessoas, mas é uma coisa de lobo em pele de cordeiro. A pele de cordeiro é a história do crime, eu acho. E o lobo é o verdadeiro significado da história, que eu muitas vezes nem sei quando estou escrevendo. [...] Eu nunca quero tentar fazer algo que pareça exatamente como o que fizemos antes. Até os livros Reckless parecem um pouco diferentes uns dos outros porque seus enredos são diferentes e acontecem em anos diferentes. A próxima coisa é sempre a mais difícil de escrever. É como um neo-noir de terror e suspense do Pânico Satânico. [...] É sobre uma mulher que fez parte [disso] nos anos 80 quando criança e que agora é adulta em nosso mundo moderno. Chama-se Houses of the Unholy. Sean disse que é a coisa mais estranha que já fizemos. Então, entenda isso como quiser. "[1]

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Acabei de ler a graphic novel que o Ed Brubaker descreve acima. Tá quentinha ainda e faz só alguns dias que foi publicada, em 19 de agosto. Essa fala data de fevereiro de 2024. De lá para cá, o escritor pouco tem aparecido na internet; sua newsletter, por exemplo, foi atualizada pela última vez em junho último. À época, ele havia registrado apenas alguns bastidores das filmagens de Criminal. Nada de mais, já que, de um tempo para cá, Brubaker se tornou bem avesso à presença online, especialmente em redes sociais; das quais não mantém mais nenhuma.

Não obstante, o que vinha sendo uma regra dos seus lançamentos da parceria com Sean Phillips eram as entrevistas a dois no canal do Forbidden Planet, além dos posfácios em todas as obras de Reckless (2020) em diante. Nesses espaços, era possível vê-lo numa posição desconfortável – acredito eu –, falando de onde vinham as inspirações de cada projeto, não raro, de memórias & angústias do passado. Em Casas do Profano não ocorreu nem uma coisa, nem outra.[2]

O que, de maneira nenhuma, não é ruim. Faz o quadrinho soar ainda mais enigmático, dada a temática tão pesada. Para começar, mesclar a histeria coletiva frente ao satanismo com algo como o plot de A Caça (2012), com Mads Mikkelsen. No filme de Thomas Vinterberg, um professor de jardim de infância em uma minúscula cidade dinamarquesa, por um mal-entendido que foge de controle, acaba sendo acusado de pedofilia por uma de suas alunas. Doravante, verdade ou mentira, sua vida estava acabada e a película mostra cada centímetro dessa descida ao inferno.

Na trama de Brubaker & Phillips, a denúncia é feita por seis crianças após uma colônia de férias, porém, com o elemento do abuso ritualístico. O caso vai a julgamento com um dos acusados chegando à capitular a própria vida, tamanha a pressão e a proporção que estava chegando. No fim, fica comprovado que tudo não passava de uma mentira e os “Seis Satânicos” sofrem os reveses disso, tendo suas vidas e a dos familiares destruídas.

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Off-Topic, mas nem tanto:

Ao caminharem por esses lugares escuros, infelizmente, Brubaker & Phillips têm um sem número de fontes. Muitas das quais, inclusive, virando exemplos célebres de investigações tendenciosas e erros judiciários crassos nos Estados Unidos. Um deles foi o Trio de West Memphis, que não passavam de adolescentes metaleiros implicados num múltiplo assassinato de crianças escoteiras. Sem qualquer chance de defesa, com a polícia fabricando indícios e provas, além de perjúrios descarados, eles foram julgados em 1994 e ficaram presos até 2011, quando exames de DNA levaram à conclusão que o material genético na cena do crime não era de nenhum dos três condenados. Circunstâncias tão cinematográficas que chegaram mesmo às vias de fato.

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De volta à HQ, mas mirando o presente, a trama se volta para Natalie Burns como uma investigadora à moda Jack Herriman. Assim como o protagonista de Cena do Crime, ela fora contratada para resgatar outra jovem impressionável cooptada por alguma seita nefasta. Seria (também) um dinheiro fácil, não fossem as circunstâncias voyeurísticas de um dono de motel – ou chalés – que pensa estar visualizando um sequestro pelas câmeras ocultas e faz uma chamada para a polícia.

Ao ser detida para interrogatório, Burns é liberada sob a custódia do Agente West do FBI. Porém, rapidamente descobrimos que ele não está interessado no suposto rapto, mas, sim, num caso que chamou sua atenção. Antes do 11 de setembro, West compunha a Unidade de Crimes Cultuais do Bureau, porém a divisão foi dissolvida quando os federais passaram a centrar esforços em terroristas e milícias de extrema-direita. Fora que não contribuía em nada incidentes como o dos Seis Satânicos, desacreditando qualquer trabalho sério.

Entretanto, West acredita que as outrora seis crianças da infância de Burns estão sendo alvos de um assassino que não segue um padrão verificável. Sendo que três já haviam sido mortos e Burns podia ser útil em sua caçada solitária ao serial killer, seja na interlocução com os demais, seja evitando mais vítimas. Logo, a busca vira um road movie com a dupla trocando traumas passados, com discussões acaloradas sobre os (nossos) demônios contemporâneos.

É curioso que, às vezes, o aprofundamento de um tropo vem depois que o leitor valida uma história anterior e o escritor sente-se confortável para esticar a corda. O que quero dizer é que Casas do Profano vem na esteira, por exemplo, de Matar ou Morrer e transforma críticas anteriores em soda cáustica. A exemplo do inconformismo velado de Brubaker com o nativo das redes sociais; manifestado na alienação do irmão mais novo de Burns.

Por outro lado, a nova história não vira um Taxi Driver com um anti-herói delirante, que faz o que faz se dizendo influenciado por um demônio. Não existe catarse nos demônios de Natalie Burns; eles estão numa memória não confiável - formatada até - e numa culpa quase paralisante. Eis um gibi difícil, tanto no recordatório quanto na estética dos Phillips; onde os vermelhos (de Jake) pontuam os trechos no passado, sempre te levando a lugares de ocaso e opressão. Já os tons azuis no presente transparecem tristeza e a maldição de ser racional em meio a um mundo irracional.

Se leu e ficou mal, parabéns! Você leu certinho.

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[1] Excertos extraídos de uma entrevista concedida por Ed Brubaker ao site Gizmodo, na época do lançamento de Onde Estava o Corpo.

[2] Talvez pela falta de tempo, já que o homem, como disse, está envolvido na produção de Criminal. Ahh, e se não ficou claro, o nome "Casas do Profano" é informal, já que a Editora Mino ainda não sinalizou como vai se chamar o título quando - ou se - for lançado no Brasil.

2 comentários:

  1. Interessante ver o Brubaker revisitar o pano de fundo que utilizou no 2o Reckless, e que em outro formato foi trabalhado em Fade Out e Fatale. Na verdade, é curioso ver o tema retornando no cinema, onde sempre esteve presente, mas com mais produções chamando atenção. Sinal dos tempos? Ponto de visto religioso à parte, me intriga sempre.

    E é bonito ver o azedume do homem quanto à presença digital, algo que temos conversado muito nas últimas semanas. Tenho buscado ser cada vez mais off-line, mas não tão hardcore quanto o Doggma. A VER.

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  2. Algo digno de nota é que o Brubaker pode até repetir ou reaproveitar uma temática, mas o enredo jamais é o mesmo. Parece um cuidado deliberado. Você nunca vai ler o mesmo gibi com eles dois nos créditos; e esse aqui é difícil, não é à toa que vem dividindo a crítica. E isso sendo bem generoso. Gosto, mas entendo que pode ser o ponto decrescente numa espiral que faz anos que tá lá no alto.

    Quanto ao Doggma, queria que fizesse parte do nosso grupo de Zap, mas, pelo que transparece, já é um milagre bater papo com ele de forma remota numa caixinha de comentários.

    Abração, meu chapa.

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