Cinco anos depois, qual é o grande gibi Black Label da DC? Essa é a primeira coisa que me pergunto ao fechar as páginas de mais um material desse selo. Quando penso em Vertigo, a linha editorial que antecede esse seguimento, minha cabeça explode de nomes, mas se fizer o mesmo com os do presente, parece que a memória fica enevoada, como se tivesse realmente afetada por um remédio “tarja preta”. De 2018 para cá, só consigo visualizar alguns padrões incômodos nas publicações Black Label, quais sejam: 1) muitos quadrinhos do Batman e do duo Coringa/Arlequina, o que dá no mesmo e poderiam sair nas vias normais; 2) histórias de origem, retcons e/ou revivals de títulos já concluídos; e 3) contos de futuros alternativos.
Há que se dizer que uma coisa talvez seja meritória nesse selo e isso em si seja digno de perpassar o humor ranheta desse infame resenhista, que é o fato da maioria das narrativas serem autossuficientes, de engatilharem tramas voltadas para um público leitor sem um retrospecto tão grande com o Universo DC. Um nicho cada vez mais amplo que não se dá ao trabalho de garimpar a continuidade e ir corajosamente ao encontro das revistas regulares. Então, para quem costuma conferir tanto a mensal quanto um especial Black Label, no mais das vezes, pode existir uma frustração justamente pela repetição de temas; o que – reitero – não soará como “bis” se você não tem a informação pregressa, já veiculada nos títulos tradicionais.
É aqui que entra a minissérie em três edições, com qualidade Prestige e formato de álbum europeu, Monstro do Pântano: Inferno Verde (Swamp Thing: Green Hell), de Jeff Lemire e Doug Mahnke[1]. A narrativa se encaixa na modalidade “3”, dos contos de futuros alternativos ou, como prefiro chamar, “gibi à moda cavaleiro das trevas”. Quer dizer, estamos num momento em que a Terra já vivencia um apocalipse ecológico e os três Parlamentos (Verde, Vermelho e Podridão), de comum acordo, decidem exterminar o que resta da humanidade e recomeçar tudo; seja por represália diante do que eles fizeram ao mundo, seja como um genocídio justificado, que equilibraria os reinos vegetal, animal e o que decompõe a matéria morta dos dois.
A tragédia é narrada a partir dos esforços de Donald e a filhinha Ronnie para pescar algo comestível em meio a todo o lixo capturado na rede de arrasto de seu barco. Para piorar, a ilha em que vivem é atormentada por uma gangue que explora seus moradores raquíticos com um dízimo mensal. O líder deles, inclusive, é o cunhado de Donald, que o responsabiliza pelo trágico destino de sua irmã, sugerindo que ela chegou ao limite e deu cabo da própria vida. Sempre tentando resolver as coisas de forma pacífica, dessa vez, Donald é voto vencido e a comunidade decide partir para um tudo ou nada, eliminando os piratas maltrapilhos. O ataque surpresa tem sucesso, porém, “salvo” da carnificina, o cunhado semimorto é recoberto de algas e se torna o novo Avatar do Verde, com a simples missão de aniquilar seus atacantes e ir mais além.
Georgie, um idoso amigável, tem a ideia desesperada de ir ao farol pedir ajuda a um estranho que é evitado por todos. Não sem razão, já que John Constantine passou a juventude e, ao que parece, a velhice também salvando e condenando pessoas quase na mesma proporção. Sendo bem franco, a participação dele é o que dá um quentinho no meu coração hipertenso e puxa Alec Holland para a ação. Nesse contexto, o velho Monstro do Pântano está aposentado, vivendo num paraíso verdejante junto de Abby e Tefé, isto é, o Santuário personalíssimo confeccionado pelo Parlamento para ex-avatares[2]. De repente, ele é puxado de volta para o plano terreno e, não sem razão, fica furioso com Constantine, um velho desafeto, que condiciona seu retorno mágico ao enfrentamento da ameaça em tela. Dá ruim. Dá muito ruim, Lemire remexe na temática do Vermelho e o legado de Buddy Baker a partir da filha Maxine como a futura – e agora atual – Mulher-Animal; algo que o escritor chegou a explorar no título mensal dos Novos 52.
Volta
para o velho mago trapaceiro tentando aplicar um golpe em Satã – tal qual o fez
nos tempos de Garth Ennis ou, vá lá, no filme do Francis Lawrence –, para
acessar uma parcela de poder e recolocar os três Parlamentos nos respectivos
lugares, isto é, de agentes externos que deveriam harmonizar com o homem. No
fim, o autor canadense parece mais inclinado a contar uma última história da Liga
da Justiça Sombria do que um “Cavaleiro das Trevas” do Monstro do Pântano. Como
disse lá em cima – e até no texto sobre Superman: A Era Espacial –, para o
leitor Matusalém, fica a sensação de já ter lido esse gibi; para os brotos que
estão chegando, creio que seja um convite razoável à mitologia
vegetal/ocultista que Alan Moore e tantos outros construíram via Vertigo.
Essa(s), sim, com bem mais musgo estofo.
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Sobre a resposta para a pergunta que iniciou esse texto, só digo que ela é uma História para outro dia.
[1] Uma curiosidade editorial que fica inócua quando se lê pelo encadernado é que, lá fora, a minissérie em três edições teve uma regularidade bem elástica. A edição inicial saiu em fevereiro de 2022 e as duas partes seguintes só em abril e maio de 2023.
[2] Um conceito muito bem trabalhado por Charles Soule no seu run no Monstro do Pântano. Por sinal, objeto de discussão no podcast Os Escapistas.
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