A expressão “Era Espacial” costuma ser associada à corrida espacial e toda a sorte de inovações socioculturais que surgiram a partir de 1957; na esteira do lançamento do satélite soviético Sputnik 1.
Na verdade, essa Era ainda está em curso e, se comparada com a ficção científica de For All Mankind[1], devo dizer que ela tem sido bem frustrante. Isso porque, na realidade imaginada pelo seriado de Ronald D. Moore na Apple TV, no lugar de Neil Armstrong, o primeiro homem que pisou na Lua foi o russo Alexei Leonov, em 26 de junho de 1969. Quase um mês antes dos norte-americanos da História factual, em 20 de julho de 1969.
A mudança de nacionalidades só parece simples no texto, mas, no enredo, ela desencadeia um efeito borboleta que acirraria ainda mais a Guerra Fria e criaria um ímpeto expansionista que, se existiu no mundo real, ele ficou para trás no momento que Neil disse que aquele era “um pequeno passo para o homem, mas um gigantesco salto para a humanidade”. Pensando bem, não tão gigantesco, visto que só agora, 54 anos depois, é que as coisas estão começando a acontecer na Lua:
“O plano, dessa vez, não é ir para apenas fincar bandeira e voltar, mas desenvolver atividades permanentes e autossustentáveis de exploração, algo que se tornou possível ao longo das últimas décadas. “Até agora, a Lua ainda não foi explorada […] Cientificamente falando, tem muita coisa a se fazer lá. A cada dia, as pessoas estão fazendo mais e mais descobertas”, afirmou a VEJA o diretor sênior de estratégia para exploração humana e robótica da Agência Espacial Europeia (ESA), Stefaan De Mey”.
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No minuto que os norte-americanos se veem derrotados na corrida, o investimento humano e o aporte em verbas sofrem uma escalada sem precedentes. Mais que isso, sempre de olho no que o inimigo vermelho está fazendo, incluindo o envio de mulheres cosmonautas à Lua, os EUA se forçam a entrar também no jogo da representatividade e iniciam o recrutamento de aviadoras de carreira para serem treinadas no ofício de astronauta.
Algo que, por sinal, nesse continuum que vivemos, só ocorrerá em 2025, mas lá em For All Mankind, no início da década de 1970, a tripulante Molly Cobb da Apollo 15 não só pisa em solo lunar, como também descobre a existência de gelo no lado oculto da Lua; o que permitiria a instalação de bases fixas para exploração e colonização. Vale dizer que, dada toda a marra da personagem, quando nos deparamos com o sorriso de Molly[2], segurando a primeira amostra de gelo, ele te emociona por ser genuinamente encantador e inesperado. E inesperados também são os desdobramentos dessa descoberta; os quais desejo que você, caro leitor, a faça também.
For All Mankind tem três temporadas disponíveis, com mais uma vindo ainda em 2023. Do jeito que caminha, cada uma com saltos temporais e novos paradigmas, confesso que um dos meus sonhos atuais é ver o dia em que a série começará a propor a propulsão de dobra espacial e a humanidade dali passará da Lua e Marte para outras galáxias.
Claro, não ao sabor da extrapolação meramente pseudocientífica; parte da graça é que tudo nasce da ciência real e isso é devidamente apresentado ao fim de alguns episódios. O que muito me lembra a habilidade do romancista Andy Weir de trabalhar seu sci-fi dentro do que se conhece na física, química e engenharia; até com um didatismo pra lá de bem-humorado.
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Um paralelo rapidinho:
Nesse último fim de semana, assisti a Indiana Jones: O Chamado do Destino. O início do filme também vai ao encontro da Era Espacial, especificamente na época dos desfiles e festejos em comemoração à façanha dos três astronautas de volta à Terra. É um timing indigesto para alguém como o Dr. Henry Jones, que prestes a se aposentar da cátedra, vê com melancolia o clamor pelas estrelas em detrimento de sua agora ainda mais arcaica… arqueologia.
Se tivesse desacelerado o passo e investido mais nessa inadequação do velho Indiana, talvez o filme pudesse ter sido outro e não uma colagem frenética dos tropos da franquia. Ainda assim, diverte, sobretudo no comecinho, na passagem da 2ª Guerra Mundial com o Harrison Ford espantosamente rejuvenescido por inteligência artificial. Tanto que ele comenta sobre isso e deixa escapar um certo temor com a ferramenta:
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Como falei em paralelo, Indy 5 e For All Mankind guardam consigo uma semelhança interessante. O longa do diretor James Mangold aproveita o conceito da Operação Paperclip, no qual o Governo dos Estados Unidos recrutou cerca de 1.600 cientistas alemães e austríacos no pós-guerra; alguns dos quais envolvidos com nazistas. O mais notável, sem dúvida, foi o Dr. Wernher von Braun, conhecido pela expertise em foguetes e a contribuição com o pouso da Apollo 11 na Lua em 1969.
No seriado, Wernher é interpretado por Colm Feore e em Indy 5, Mads Mikkelsen vive o vilão Dr. Jürgen Voller, isto é, uma versão mais espalhafatosa da figura histórica; que aqui, diz ter conquistado o espaço e agora intentava desbravar o tempo.
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A Era Espacial também é o subtítulo de uma minissérie do Super-Homem que tem recebido muita atenção do público e da crítica especializada. Tanto que, recentemente, foi indicada ao Eisner 2023 na categoria melhor série limitada. Confiando nos bons elogios que Mark Russell e Michael Allred têm recebido, fiz algo que, nos dias de hoje, pessoas com as faculdades mentais intactas não costumam mais fazer: comprei o gibi sem o ter lido antes.
Sendo bem franco, não sei se foi um bom negócio. O gibi em si é intrigante e com o vigor estético de sempre da Família Allred. Na parte editorial, o que mais me impressionou foi o fato de o compilado ter 250 e poucas páginas, só que derivadas de apenas três fascículos; com cerca de 80, cada. De pedigree Black Label, assim como o Ano Um de Frank Miller, o roteiro de Russell também propõe uma nova ótica sobre os primeiros momentos do Super e vai além.
Quer dizer, percebe-se logo de início que a trama é ambientada em uma Terra paralela que, assim como tantas outras, encontrará seu destino final pelas mãos do Antimonitor. Sim, o McGuffin é engenhoso: narrar a história de um Clark Kent entre 1963 e 1985; isto é, o ano de publicação da Crise nas Infinitas Terras. O percurso, porém, não é nada que já não se tenha visto antes ou que implique, de fato, em fortes emoções.
A começar pelo título que, diferente de For All Mankind, a Era Espacial desse Super-Homem não brinca com as possibilidades da corrida espacial ou sequer serve de indício de uma aventura pelo cosmos. O Russell até rumina sobre isso, mais ou menos à altura em que é noticiado o assassinato de John Kennedy, especialmente quando americanos e soviéticos têm seu arsenal atômico apreendido pelo Homem de Aço – e escondido no lado oculto da Lua –, mas, de resto, a expressão fica esvaziada de sentidos.
Meu problema com o quadrinho, porém, não para por aí. Primeiro porque ao se cercar de referências tão óbvias e recentes, eu acabava me perguntando se deveria continuar lendo ou só ir ali na estante me refestelar direto na fonte. Creio que as alusões mais nítidas são as que Russell e Allred buscam em Grandes Astros Superman, de Grant Morrison e Frank Quitely, especialmente quando a contagem regressiva de A Era Espacial aponta para o fim e o Super-Homem muda sua abordagem com a percepção que aqueles serão seus últimos dias.
Então, tal como a obra de 2005-2008, o personagem registra uma espécie de diário testamento enquanto busca soluções para o desastre iminente através de sequenciamento de DNA. Nesse ponto, até a capa do encadernado remete à icônica All-Star Superman #10.
Só que nada é tão incômodo quanto a ladainha piegas de Russell de sensibilizar o seu leitor com um discurso exaustivo sobre esperança e heroísmo. Na verdade, o que não falta em A Era Espacial são momentos aleatórios de sabedoria que, de tão presentes, começam a soar artificiais; o que um amigo veio a chamar de “gibi de coach”. Achei genial. Se me permitem arriscar uma definição, gibi de coach é aquele quadrinho pensado para que algumas de suas páginas virem memes edificantes e sejam compartilhados à exaustão nas redes sociais.
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O Tom Taylor é ótimo nisso. Já seus quadrinhos, nem tanto. |
Então, o Russell perde muito tempo tentando imortalizar[3] alguma(s) sequência(s) tocante(s), e esquece de balancear o ritmo da história e/ou trabalhar melhor os coadjuvantes. Com exceção de Lois Lane, todo elenco parece deslocado, ora com um humor bisonho – a exemplo do Flash à moda Ezra Miller –, ora com um falso protagonismo que chega a incomodar pelo excesso – como o do Batman.
Para ser justo, a qualidade de A Era Espacial depende bastante da quantidade de leitura que já se dedicou ao Super-Homem. Penso que a fruição fica bem comprometida quando você já cumpriu algumas metas (mínimas) como a da já citada Grandes Astros; leu outros recomeços como os de As Quatro Estações ou Alienígena Americano; e, por fim, encarou o mito do herói na esteira de JFK em DC: A Nova Fronteira.
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[1] Trata-se de uma expressão altruísta, que em português seria “Para Toda a Humanidade”. Contudo, ela trás consigo uma ironia fina, já que tudo o que vemos parte mais de uma obsessão pelo pioneirismo ou, vamos dizer, um imperialismo espacial.
[2] Inspirada em Jerrie Cobb, uma figura
histórica da NASA, e vivida na telinha por Sonya Walger, a icônica Penny de Lost ou a a loba Carolyn de Tell Me You Love Me.
[3] Morrison e Quitely só precisaram de uma página, e quase silenciosa.
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