Bloggers in Arms

sexta-feira, 20 de julho de 2018

PERDAS & DANOS

 

Round 1

Deus salve os desenvolvedores do Shazam. Não, não me refiro a Bill Parker & Charles Beck. Claro, eles merecem mais que as bolas de chiclete e poses para Instagram que andam recebendo por aí, mas isso é conversa para outro dia. Refiro-me ao aplicativo que identifica músicas com um simples toque na tela do seu celular. Quer dizer, não faz muito tempo que, para descobrir aquela canção que te chamava atenção num filme, série ou anúncio de TV, tu tinhas que recorrer às infos em letras de bula, na soleira dos créditos finais ou esperar que alguma hora a mesma fosse executada em outro veículo.

Isso, claro, antes da internet; com a internet, os fóruns, as ferramentas de busca e a revolução deflagrada pelo Napster, o acesso e o modo como se consome música mudou para sempre – mas minha maior dívida com Shawn Fanning foi por ele ter me apresentado a Franky Wedge. Fato é que o Shazam eliminou todos os trâmites até a identificação da faixa almejada, e aliado à conta no Spotfy, tornou minha vida um pouquinho menos miserável. Essa historinha só serve para ilustrar que não foi exatamente fácil chegar a U.R.A Fever do The Kills, executada nessas duas cenas de Os Perdedores (The Loosers, 2010).

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Round 2

O filme não é lá grande coisa, mas tem seus momentos e as duas passagens são prova disso. Clay (Jeffrey Dean Morgan) e seu grupo de ações encobertas da CIA foram traídos por seus superiores e dados como mortos; algo que viria a calhar se quisessem chegar aos algozes de patente alta. Nos vídeos acima, Clay conhece Aisha al-Fadhil (Zoë Saldana), uma afegã casca grossa cuja agenda converge com a dos Perdedores, mas antes dessa convergência ocorrer, digamos que a coisa esquenta... muito.

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Quanto a descoberta de The Kills – isto é, o duo Alison Mosshart e Jamie Hince –, devo dizer que o som deles é presença constante em playlists pessoais. The Kills é uma pitada de PJ Harvey com The Velvet Underground, numa pegada econômica lo-fi e rompantes de garage rock. Vale a pena conferir a performance deles ao vivo, sobretudo a entrega de Mosshart no palco.

Dicas para entrar no clima: Future Starts Slow, Bitter Fruit, Siberian Nights, Black Ballon e Tape Song.

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Os Perdedores é da grife Vertigo, durou 32 edições e teve cinco encadernados (TPBs), dos quais o primeiro foi publicado pela Panini em 2010. Saiu numa época errada, quando a editora apenas tateava o terreno, quase que pisando em ovos, por saber que o selo adulto da DC tinha um histórico editorial conturbado – herdado da Metal Pesado, Tudo em Quadrinhos, Devir e Pixel.

Logo, a confiança do leitor naquele momento deveria ser reconstruída do zero e títulos como Os Perdedores ficaram pelo caminho. Trata-se do trabalho da vida de Andy Diggle e um começo arrebatador de Jock como artista regular; olhando em retrospecto, o recente – e badalado - Xerife da Babilônia, de Tom King & Mitch Gerads, guardadas suas proporções, tem linguagem e proposta bem parecidas.

Pena que a Panini não é dada a segundas chances. Perde o leitor, perdem Os Perdedores.

domingo, 1 de julho de 2018

A GUERRA DE DYLAN

Acredito que, de modo geral, qualquer pessoa razoável vêm acompanhando com espanto e preocupação genuína o número alarmante de relatos sobre suicídios. Por natureza, trata-se de um tema dificílimo que polariza opiniões, muitas das quais sem estofo ou, vá lá, redutoras pela mera adjetivação. Recentemente, tive contato com uma situação dessas e testemunhei coisas absurdas sendo atribuídas ao sobrevivente, creditando-lhe – injustamente – parte da culpa por aquele óbito. Acertadamente, faz parte da práxis da imprensa evitar a veiculação desse tipo peculiar de obituário, algo que, por um lado, respeita a dor das famílias e não dá azo a glamourizações da prática; e, por outro, mascara a existência do problema. Reitero, não é fácil.

A cena pop, contudo, é irascível e, como já disse Humberto Gessinger, “não poupa ninguém”. Quer dizer, esse tipo de anonimato corriqueiro dos civis sequer é opção para famosos, a exemplo das tragédias que cercaram recentemente as perdas de Chris Cornell (Soundgarden/Audioslave) e Autumn, filha do diretor de BvS e Liga da Justiça, Zack Snyder. Na ficção, discussões acaloradas têm sido feitas a respeito da série 13 Reasons Why (Netflix/2017) sobre o triste destino de Hannah Baker, personagem polêmico que decide tirar sua vida e elenca treze motivos que lhe levaram a isso, registrando-os em treze lados de sete fitas cassete, de modo que cada nome ali citado as ouvisse post-mortem.

Há quem detrate e há quem acolha a trajetória dessa suicida como alerta à sociedade, e não apenas à localidade norte-americana. A única opinião que carrego comigo até agora é que não há lados certos aqui.

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Como disse, o tema desafia até os mais sensatos e a inclinação natural de qualquer um é mudar logo de assunto. Matar ou Morrer (Kill or be Killed), de Ed Brubaker e Sean Phillips, vai nessa contramão e, guardadas suas devidas proporções, tateia a mente de um depressivo que sobrevive a duas tentativas frustradas de suicídio. Indicada ao Eisner Awards 2017 nas categorias Melhor Série, Roteirista e Capista[1], a história dá voz a Dylan Cross, universitário de vinte e oito anos que partilha um apartamento com Mason, colega anos mais novo, que a seu contragosto namora Kira, sua melhor amiga.

Logo no início, tal como tantas outras histórias de Brubaker, a narrativa é feita em primeira pessoa, mas com um diferencial: o julgamento do protagonista está nublado pela depressão e nada do que diz, deve ser tomado como verdade absoluta para o leitor. Isto é, aquela é a verdade segundo Dylan, se ela é ou não fatual, aí cabe à interpretação de cada um.

Fato mesmo é que na segunda tentativa malograda de suicídio, Dylan passa a creditar sua terceira “segunda chance” a um demônio interventor, que de bom samaritano não tem nada e deseja sua parte: uma vida por mês. A princípio, julgando-se delirante, dada a dor da queda que acabara de sofrer, ignora o “contrato” e à medida que o dia de pagar o “aluguel” da própria vida vai se aproximando, ele começa a adoecer, entrando e saindo de hospitais. Rapidamente nos questionamos se Dylan viu o que quis ver e aquela doença era puramente seu corpo somatizando o que a mente vinha ditando (?!). Porém, isso somos nós (os leitores), o personagem mesmo se entrega ao desespero e faz sua primeira vítima, usando como muleta moral um vigilantismo trôpego e hipócrita, mais puxado para o lado “Travis Bickle” da coisa do que “Dave Lizewski”.

Era a fuga perfeita, mas não impune ou imune ao preço que mentiras e hematomas – muitos hematomas! – começaram a infligir no resto de vida pessoal que ainda tinha. Ao passo que as vinte edições avançam, mais e mais Brubaker vai lançando novas sombras sobre a jornada de Dylan, do qual, em determinado momento, faz as vezes de um “justiceiro” de rede social e isso foge completamente do controle. Em dado momento, ele se sente tão invencível que decide confrontar mafiosos russos, tecendo planos cada vez mais ousados. No nível pessoal, o texto brinca com a possibilidade de que o pai de Dylan – igualmente suicida – pode ter lidado com o mesmo demônio que, hoje, atormenta o filho.

É curioso que entre o 3º e o 4º e último arco, o quadrinho passa a exalar algumas associações com os primórdios do Homem-Aranha, com o Dylan ressoando como um worst case scenario do que Peter Parker poderia ter se tornado. A própria inquietação (e chatice) de Peter nos anos sessenta lembra a animosidade de Dylan com o (seu) mundo. Chega num ponto em que Brubaker e Phillips nem escondem mais a rima aracnídea, e chegam a dar os rostos de Stan Lee e Steve Ditko aos detetives envolvidos na caçada ao vigilante de Matar ou Morrer. A capa da derradeira edição (nº 20), inclusive, é uma óbvia homenagem a Amazing nº 50, da icônica imagem de Peter abandonando a vida de super-herói.

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Não só isso. O psiquiatra que cuida de Dylan, desacreditando-o da ideia fixa que ele tinha sobre o demônio e os atos vigilantismo, é a cara e o focinho do Dr. Fredric Wertham, autor do controverso A Sedução dos Inocentes (1954); obra que desencadeou toda sorte de perseguições à indústria e os produtores de quadrinhos na segunda metade do século XX.

É engraçado que lendo agora a entrevista que dupla criativa concedeu ao site CBR para falar sobre Matar ou Morrer como um todo, Brubaker deixa transparecer que essa abordagem metaficcional talvez tenha surgido no curso da escrita, e não como algo deliberado desde os argumentos iniciais: “ [...] Sempre pretendi que terminasse do jeito que está terminando, mas não sabia quanto tempo levaria para contar a história, e ela acabou se expandindo e fazendo coisas diferentes do que eu tinha pensado inicialmente. Tornou-se muito mais sobre a voz de Dylan, suas lutas e sua história do que eu esperava. Mas a estrutura, pelo menos no início, era muito simples: um cara mascarado que tem que sair uma vez por mês (mensalmente, entende?) e ser um vigilante. Era sobre pegar essa estrutura que todos nós, que crescemos indo à banca toda semana, no dia que chega quadrinhos novos, temos gravada em nossas mentes e usá-la para fazer algo diferente e familiar ao mesmo tempo. E, claro, quanto mais você entra na história, mais ela se torna sua própria coisa. Ou pelo menos, espero que sim. [...] É definitivamente um estudo de personagem sobre como pode ser uma pessoa relativamente normal que se encontra em um lugar sombrio e o que ela estaria disposta a fazer, mesmo quando se trata de ‘Eu não quero voltar a ser quem eu era antes, a versão segura de mim’. Mas Dylan provavelmente tem tanto em comum com Holden Caulfield quanto com Walter White. [...] Para mim, uma grande parte de Matar ou Morrer foi sobre não glamorizar a violência, sobre evitar esses clichês. A violência era sempre rápida e brutal, e tinha impacto ou repercussões. Sempre causava mais problemas ”.

Já Sean Phillips repetindo a façanha dos tempos de Hellblazer com Paul Jenkins, quando John Constantine era uma caricatura de si, o Dylan de Matar ou Morrer vira, de fato, um autorretrato. Se pensar direitinho, o próprio pai do protagonista, caracterizado como um artista de peças pin-ups de pornô bizarro dos anos 1960/1970, é também um duplo de Phillips; esse, último, partilhando da mesma assinatura hiperrealista que o consagrou: “ Como eu desenho cada personagem evolui lentamente ao longo de um quadrinho, algumas vezes até de forma intencional. Acho difícil manter os personagens com a mesma aparência o tempo todo, então Dylan acaba se parecendo mais comigo no final. Ele é desenhado propositalmente com uma aparência mais cansada e sem se barbear. Tudo o que ele passou tem um impacto em seu rosto. [Por outro lado] Não estou certo de que sua linguagem corporal mude muito ”.

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No fim, Matar ou Morrer é a consagração do duo, com o que pode ser seu personagem mais controverso, para não dizer complexo. Penso que, daqui para frente, eles têm um desafio quase impossível de entregar algo melhor. O que não será surpresa alguma se entregarem. Brubaker e Phillips, indubitavelmente, têm um demônio cobrando uma dívida. Graças a Deus.

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Links Afiliados



[1] Do qual perdeu em todas para Saga e seus criadores, Brian K. Vaughan e Fiona Staples.