Creio que ninguém precisa ser categórico quanto ao que o All-Star Superman de Grant Morrison e Frank Quitely representa para o maior ícone super-heroico de todos os tempos: é indubitavelmente a melhor e mais ousada história do homem de aço desde que Jerry Siegel e Joe Shuster, de comum acordo, deram vazão àquelas lâmpadas que circundavam suas cabeças em 1938. Sem o aval agridoce do que chamamos de “continuidade” e a compleição por prazos que a DC Comics lamentavelmente habituou-se a interferir sobre o trabalho de seus artistas, temos aqui uma experiência genuína sobre tudo aquilo que Clark Kent foi, é ou seria daqui a mil anos.
Se adaptado corretamente em live-action, provavelmente teria cacife para se tornar um marco tão importante para o personagem quanto o que a trilogia de Christopher Nolan representou para o Batman. E é exatamente este sentimento, de dever cumprido, quase tão tocante quanto àquela despedida [abortada] de Wood & Cia., que persiste após os créditos finais da animação homônima; com direção de Sam Liu, produção executiva de Bruce Timm e roteiro do saudoso Dwayne McDuffie.
E méritos para este último que teve o trabalho ingrato de converter uma minissérie irretocável em um script redondinho, editando o disposto nos quadrinhos das edições #1-3, 5 e 9-12. Basicamente, o que seria de mais relevante para o mote principal da trama, ou seja, os últimos passos que Kal-El trilhou após o diagnóstico do Dr. Leo Quintum, no qual estaria sofrendo de uma severa deterioração celular devido à superexposição solar do princípio da saga.
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No que diz respeito a direção de arte do filme, a cargo da coreana Moi Animation Studios, igualmente responsável pelos recentes [e excelentes] DC Showcase [Espectro, Jonah Hex, Arqueiro Verde e Superman/Shazam], Liga da Justiça: Crise em Duas Terras e Justiça Jovem, fica mantida a regularidade de praxe e emula com algum sucesso a assinatura do Mestre Frank Quitely. E não são poucos os trechos em que a transposição de quadros tem traduções ipsis litteris – um deleite para os mais familiarizados com a série.
Aliás,
vale dizer, tanta qualidade e aparentemente visão alguma por parte dos
executivos da Warner que vêm despejando produções deste porte diretamente no
mercado de home video. Vale dizer, um verdadeiro pecado, All-Star Superman não
faria feio nos cinemas. Na verdade, no meu mundinho perfeito e guardada as
devidas proporções, julgo que superaria facilmente o montante gasto pelo emo
homem de aço de Bryan Singer. Mas, vá lá, me parece que não há mais espaço nas
telonas para animações convencionais em 2D desde o traumático[1]
Titan A.E.
O que poderia ser um entrave e tanto para o corajoso clímax que, diga-se de passagem, reprisa o apoteótico desfecho da versão original, revela-se contundente dentro do que Grant Morrison se propôs, mesmo que para tanto tenha redimido Luthor ao final. Falo da discrepância entre o que se estabelece na edição #10 e o epílogo do filme. Trocando em miúdos, no quadrinho o próprio Super-Homem decifrou seu genoma confiando a Quintum a sequência inteira de oito bilhões de letras num livro, junto com instruções sobre como combinar fitas humanas e kryptonianas[2]; e no filme em comento é Lex quem o faz, fruto daquela inusitada epifania remissória.
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Meu receio mesmo era que Clark fosse vítima de algum subterfúgio criativo e não alcançasse seu destino no centro do sistema solar, mas felizmente não aconteceu. E aqui cabe um parêntese, esta foi a segunda vez que McDuffie teve êxito em adaptar uma obra de Morrison, com uma diferença: se em All-Star Superman o que esteve em pauta era a fidelidade sobre o texto, em Crise em Duas Terras nota-se uma certa vivacidade do roteirista ao justapor conceitos de Terra 2 e Crise Final, chegando a um denominador comum irrepreensível – vide o vídeo acima.
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Se fosse para acrescentar algo, certamente chamaria à baila: [1] a solução do Super-Homem para o câncer; [2] a tocante intervenção perante uma garota suicida; [3] e a insólita passagem da edição #12 em que o mesmo, desacordado, tem um encontro extrassensorial com Jor-El.
Essa última foi Grant Morrison em estado lisérgico bruto. Na realidade, se refinar muito, o escocês fica ininteligível. Melhor ele assim, bruto, porém fino.
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[1] Ou é duro demais para este que vos fala
escreve admitir que o Clark não faça mais o tipo admirado pelos
Escoteiros-Mirins. Hoje, definitivamente, quem dita regras de etiqueta são
gente que faz, como o Gru ou o Megamind. No final das contas, o Joe Kelly
parece que estava certo.
[2] Percebe a diferença entre o “S” de cada frasco? O da mão direita continha o material genético de Clark e enquanto o da esquerda possuía o de Lois. Fiz a mesma pergunta retórica à época que li essa edição #10: se ele já havia encontrado a solução para o dilema do “nunca teríamos mais do que isto”, por que diabo não deu um trato na mulher antes do fim iminente?
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